Estou apaixonado pela doença do riso
far-me-ia muito bem se a tivesse –
usei as esplêndidas cabaias do Sudão,
pus os magnificentes halivas de Boudodin Bros.,
beijei as Fátimas cantantes do chulo de Adém,
escrevi gloriosos salmos no café Hakhaliba,
mas nunca tive a doença do riso,
então para que sirvo eu?
O comerciante gordo oferece-me ópio, kief, haxixe,
até suco de camelo,
tudo é insatisfatório –
Oh noite amarga e terrível! tu de novo! Terei ainda
que tirar os meus dentes irreais
despir o meu irrisível eu
pôr a dormir esta cabeça melancólica?
Não sou nada sem a doença do riso.
O meu pai apanhou-a, o meu avô também;
certamente o Tio Fez há-de apanhá-la, mas eu, eu
a quem faria tão bem,
apanhá-la-ei alguma vez?
Tradução de Manuel de Seabra.
Filho de emigrantes italianos nos EUA, Nunzio Corso, verdadeiro nome do poeta Gregory Corso, nasceu a 26 de Março de 1930 no St. Vincent’s hospital, também conhecido por hospital dos poetas após Dylan Thomas aí ter falecido. Abandonado pela mãe com apenas um mês de vida, ficou aos cuidados do pai, Gary Corso, até este o ter atirado para casas de acolhimento e orfanatos. Só voltou a lembrar-se do filho para evitar o destacamento militar durante a Segunda Grande Guerra. Até lá, a criança foi educada por instituições cristãs. Depois, foi criado nas ruas. Dormia no Metro, nos sótãos dos prédios de Little Italy, enquanto continuava a frequentar a escola católica e trabalhava como moço de recados dos comerciantes locais. Aos 13 anos, roubou uma torradeira para poder ir ao cinema. Acabou detido ao lado de criminosos que, definitivamente, não estavam encarcerados por terem roubado torradeiras. Foi a primeira de várias experiências prisionais, que o levaram a ser internado no Bellevue Hospital Center e o colocaram em contacto com os mafiosos italianos que pululavam nas prisões norte-americanas. Aproveitou a experiência prisional para começar a ler livros e a escrever poesia, estudou os clássicos gregos e romanos, devorou enciclopédias, dicionários, todo o tipo de livros. Em 1949, saiu da prisão. Trabalhava para a Mafia de dia e escrevia poemas à noite. Conheceu Allen Ginsberg num bar gay, o Pony Stable Bar e ficaram, como dizê-lo, amigos para sempre. Ginsberg apresentou-o à restante rapaziada. Em 1952, estava a trabalhar para o Los Angeles Examiner. Também trabalhou como marinheiro mercante e frequentou esporadicamente a Harvard University, onde alguns amigos terão contribuído para a publicação do seu primeiro livro de poemas: The Vestal Lady and Other Poems (1955). Pouco tempo depois, encontramo-lo novamente na companhia Ginsberg and friends. Acompanhou Ginsberg e Orlovsky numa visita a Burroughs, que vivia então em Marrocos. No n.º 9 da Rue Gît-le-Cœur, situada no Quartier latin de Paris, estava aquele que ficou para a história como o Beat Hotel. Aí se reuniram «vigaristas, ladrões & assassinos», escrevendo poemas, compondo canções, desenhando, pintando e fazendo coisas várias que uma réstia de pudor nos impede de revelar. Corso regressará a Nova Iorque em 1958, ano em que o jornalista Herbert Eugene Caen começa a falar de uma geração beatnik. Gregory Corso acabara de publicar Gasoline na City Lights de Lawrence Ferlinghetti. O poeta-vadio não morrerá de encantos pelo termo, mas nunca se distanciou o suficiente da “cunhagem” para que os louros não fossem recebidos. Em 1963, casou com Sally November, de quem teve uma filha. Divorciaram-se e Gregory voltou a casar, desta feita com Belle Carpenter, em 1968, de quem teve um filho e uma filha. Novamente divorciado, juntou-se pela terceira e derradeira vez a Jocelyn Stern, de quem teve um filho. Os anos finais foram de reconhecimento público e divulgação da actividade Beat, mas também de reencontro com as suas origens. O abandono materno era um facto que carecia de explicação. Em tempos, o pai de Corso dissera-lhe que a mãe regressara a Itália, que morrera, que era prostituta. Corso veio a descobrir que, afinal, ela estava viva, residia em Trenton, e fugira de casa depois de o marido a ter violado e espancado quase até à morte. Durou pouco tempo a reunião familiar. Corso descobriu um cancro na próstata e morreu a 17 de Janeiro de 2001. Como era seu desejo, depositaram-lhe os restos mortais perto da campa de Percy Bysshe Shelley, em Roma.
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