Isto não é um quadro pendurado numa parede. É uma parede de vidro, um vidro numa parede, o exterior pendurado numa parede através de uma janela gigantesca. Isto é uma obra de arte, a mais realista das obras de arte, é um pedaço de terra circundado de silêncio, é um pedaço de jardim delimitado pelas paredes, transfigurado através de um vidro transparente. Isto é aquilo que os nossos olhos vêem enquanto transitam no interior de uma obra de arte. Isto é potlatch, numa relação misticamente ateísta entre três espaços conexos: o da nossa intimidade/corpo, o do edifício que nos abriga a intimidade e o espaço exterior onde esse edifício foi erigido.
Isto podia ser uma sombra de Lourdes Castro, um trabalho de Manuel Zimbro, uma obra exposta numa galeria. Mas isto não é um quadro, nem uma fotografia, nem uma obra de arte pendurada numa parede. Isto é a cerimónia do artista que, acossado pela teoria, opta por ensaiar a abnegação com um gesto radical: a morte. Ainda me faltam alguns livros para chegar ao termo da cerimónia, ainda me faltam alguns passos, mais um ou dois banhos daquela luz que atravessa o vidro e me faz pensar que isto não é uma obra de arte pendurada numa parede. Isto é o corpo de um artista a dar-se ao meu corpo, é a paisagem que a parede tem para me oferecer enquanto lá fora o mundo se afunda.
Mas isto sim, isto é o que o olhar constrói quando se deixa destruir pela dádiva. Leonel Moura ironizando o corpo dentro de outro corpo, um edifício teórico, idealista, esse corpo que cresce nos livros e nos asfixia até à ausência de esperança. Nesse corpo, as extremidades são férreas. Nada mais se avista para lá desse corpo, nenhum jardim, nenhum mundo, as paredes tornam-se obscuras, o cérebro enreda-se numa plausível desistência. Não há o que pensar acerca desta relação. O artista dá-se, oferece-se ao seu público, dá-se na totalidade já não apenas enquanto artista, mas como homem. Suicida-se. Como Ruy Belo, matando-se na escrita, o artista mata-se na obra, oferece-se como recompensa à teoria que a sustentou. Aceito a tua dádiva, morte pendurada na parede, como quem nada tem para oferecer senão o testemunho de uma presença.
Mas isto sim, isto é o que o olhar constrói quando se deixa destruir pela dádiva. Leonel Moura ironizando o corpo dentro de outro corpo, um edifício teórico, idealista, esse corpo que cresce nos livros e nos asfixia até à ausência de esperança. Nesse corpo, as extremidades são férreas. Nada mais se avista para lá desse corpo, nenhum jardim, nenhum mundo, as paredes tornam-se obscuras, o cérebro enreda-se numa plausível desistência. Não há o que pensar acerca desta relação. O artista dá-se, oferece-se ao seu público, dá-se na totalidade já não apenas enquanto artista, mas como homem. Suicida-se. Como Ruy Belo, matando-se na escrita, o artista mata-se na obra, oferece-se como recompensa à teoria que a sustentou. Aceito a tua dádiva, morte pendurada na parede, como quem nada tem para oferecer senão o testemunho de uma presença.
1 comentário:
uma parede numa parede.
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