Camarada Van Zeller, já sei quem é o poeta mais rico de Portugal. É o Mexia. Só não sabia que além de publicar poemas, crónicas, weblogs, peças de teatro, contos e enciclopédias de auto-ajuda, também era presidente da EDP. 1,9 milhões de euros de remunerações em 2009 é muito pilim. Estive a fazer contas e cheguei à conclusão de que preciso de trabalhar 3800 anos, não gastar um único tostão, para conseguir amealhar tanto dinheiro. 3800 anos. Terei feito bem as contas? Não sei se vou conseguir trabalhar durante tanto tempo. Com o aumento da idade da reforma é bem capaz de ser possível, mas ainda assim 3800 anos é mais do que o tempo que Jesus Cristo leva pregado na cruz.
Podem dizer que as minhas contas são motivadas pela inveja. Se a inveja significar esta incapacidade de encontrar uma explicação para o facto do Mexia ganhar num ano o que eu só poderei auferir se trabalhar 3800 anos, então isto é inveja. Por mim, tudo estaria normal e seria justo e honesto, tudo estaria perfeitamente de acordo com as leis da vida, as quais, como o camarada Van Zeller saberá melhor que eu, são as leis do mercado, já que a vida não passa de um produto comercializável como um sabonete, para mim tudo estaria nos conformes se eu sentisse o meu esforço, a minha excelência, o meu mérito recompensados.
Bem sei que o negócio da energia não é comparável ao negócio dos livros. E que o presidente da EDP tem um trabalho bem mais exigente e esforçado do que o meu. Eu só tenho de conseguir explicar a miúdas giras que não me é possível aceder aos stocks de eventuais livrarias no aeroporto do Dubai e coisas do género. O Mexia tem de assinar montes de papelada e de subir aos postes de alta tensão. Toda uma vida de risco.
Sem electricidade, um tipo teria de viver iluminado por velas ou candeeiros a petróleo. Sem livros, um tipo embrutecia. O Mexia não poderia ser o poeta mais rico de Portugal, a EDP não existira, logo não teria um presidente a auferir num ano 1,9 milhões de euros de vencimento. Portanto, é muito mais importante iluminar a brutalidade do que sensibilizar a escuridão. Desculpar-me-á a deriva metafórica.
Mas por que é que eu estou condenado a 10% do meu vencimento base quando atinjo os objectivos que me são propostos? É este o prémio que o meu esforço merece: 47€. Enfim, 3800 anos é muito tempo. 1,9 milhões de euros é muito dinheiro. Tudo naturalíssimo. O mercado define as regras. As assimetrias não ferem porque é o mercado que as define e quando o mercado define ninguém se meta com ele porque ele é que sabe o que andamos todos a fazer sobre a terra até vir o dia em que a terra fará de nós o que nós não conseguimos fazer do mercado.
Olhe, camarada Van Zeller, dá vontade de fugir para Paris só para não ter de ouvir estas notícias. Dir-me-á que lá também é assim. Pois, mas pelo menos lá ouvíamos as notícias em francês. Será que o meu patrão me pagava as deslocações?
P.S.: afinal parece que são 3,1 milhões de euros. Sempre fui mau a matemática.
2 comentários:
Por falar em poetas q ganham bem, viste esta "reportagem" no Expresso? http://aeiou.expresso.pt/traga-a-poesia-para-a-sua-vida=f574096
Eu cá, se tivesse de escrever sobre poesia, também ia logo a correr falar com "Vítor Bento, presidente da SIBS - empresa que gere o Multibanco - e um dos nomes apontados para suceder a Vítor Constâncio no Banco de Portugal", por exemplo.
A puésia nas bocas do mundo, transformada em material de auto-ajuda.
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