terça-feira, 6 de abril de 2010

SUCESSO NA VIDA




Há por aí uma espécie de gente morta-viva, que pouca consciência tem do viver excepto quando exerce alguma actividade convencional. Levem esses sujeitos para o campo, ou metam-nos num barco, e vereis como anseiam pela secretária ou pelo gabinete. Não manifestam curiosidade; não se deixam impressionar por aquilo que o acaso lhes coloca no caminho; não têm prazer em exercer gratuitamente as suas faculdades; e, a menos que a Necessidade os empurre à paulada, não mexem um dedo. Não serve de nada falar a indivíduos desta espécie; são incapazes de manter-se ociosos, a sua natureza não é suficientemente generosa; e passam em estado comatoso as horas que não dedicam à tarefa furiosa de enriquecer. Quando não precisam de ir ao escritório, quando não sentem fome nem estão dispostos a beber, todo o mundo vivo constitui para eles um espaço vazio. Se têm de esperar uma hora ou mais pelo comboio, caem numa espécie de torpor estúpido com os olhos abertos. Ao vê-los, dir-se-ia que não há nada para observar nem ninguém com quem falar; pensar-se-ia que estão paralíticos ou alienados. E, no entanto, provavelmente são trabalhadores incansáveis, à sua maneira, capazes de detectar à primeira vista um defeito numa obra ou uma flutuação no mercado. Frequentaram a escola e a universidade, mas estiveram o tempo todo com o olho numa medalha; andaram pelo mundo e cruzaram-se com pessoas inteligentes, mas durante todo esse tempo só pensavam nos negócios próprios. Como se a alma humana não fosse já demasiado pequena à partida, enfezaram a deles e limitaram-na ainda mais através de uma vida de trabalho sem a mínima distracção. E ei-los subitamente com quarenta anos, apáticos, incapazes de imaginar a mais pequena forma de divertimento, sem dois pensamentos que choquem um no outro, enquanto esperam pelo comboio. Antes de ter vestido os primeiros calções, talvez tivesse trepado aos caixotes; com vinte, teria provavelmente olhado para as raparigas; mas, agora, o cachimbo está fumado, a caixinha de rapé vazia, e ei-lo sentado num banco, hirto como uma estaca, com olhos mortiços. Não é propriamente o que eu chamo ter Sucesso na Vida.
Robert Louis Stevenson, in Uma Apologia dos Ociosos, trad. Célia Henriques, Junho de 2005, pp. 42-43.

2 comentários:

blimunda disse...

fantástico e tão verdadeiro texto este. obrigada pela partilha, henrique

hmbf disse...

ora essa. 'tás fixe? que bom é ainda te saber por aí.