Se o cardeal Tarcisio Bertone lesse poesia portuguesa, talvez pensasse duas vezes antes de proferir asneiras como as que proferiu de visita ao Chile. Aqui fica, ao cuidado de Sua Eminência, um excerto do ensaio A Angústia da Azeitona Antes de se Transformar em Luz que abre o livro referenciado no termo da citação:
«Não é fácil ser poeta, nem homossexual, nem católico. E muito menos viver estas três identidades ao mesmo tempo. (…) Todos os homossexuais do mundo continuam a ser, aos olhos das três tradições monoteístas, os filhos deserdados de Abraão. E no entanto, analisando em termos comparativos o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, é possível afirmar que foi o Cristianismo que permitiu, embora malgré lui, a emergência da homossexualidade como fenómeno societário contemporâneo. (…) A figura celibatária de Jesus de Nazaré, que escandalizou a mentalidade religiosa judaica coeva e vindoura, irá instaurar sete séculos mais tarde um fortíssimo e não menos escandaloso contraste com o modelo de vida poligâmico praticado entre os seguidores do Islão. Foi a interiorização social da figura celibatária de Jesus Cristo que veio possibilitar em termos culturais o aparecimento do homossexual autónomo e progressivamente emancipado dos nossos dias, independentemente de todas as questões teológicas que foram formuladas ao longo dos séculos e continuam em debate a respeito da homossexualidade. De certa forma, o homossexual é uma réplica involuntária do padre e a figura gémea do monge, ou a sombra de ambos. (…) Se a grandeza do Cristianismo consiste na capacidade operativa de integrar e transcender em sentido redentor a experiência da morte, da dor e de todas as formas de negatividade, como explicar a obstinada resistência da hierarquia eclesiástica à universal irradiação, para além dos limites da heterossexualidade do mundo, desse amor proclamado, com verdade e em verdade, a essência mesma de Deus? (I Jo 4, 7-16). O pobre, o deficiente, o velho, o doente, até o criminoso arrependido, recebe da Igreja acolhimento pastoral e na Igreja encontra o seu lugar. À excepção do homossexual, esse pária dos párias – a ovelha perdida do aprisco. (…) A hierarquia da Igreja Católica, neste novo pontificado, parece estar a repetir linearmente em relação aos homossexuais um dos vários comportamentos que teve, ao longo dos séculos, face aos judeus. Perante uma cultura emergente de emancipação dos homossexuais, a hierarquia vaticana está a lançar um combate que lembra muito tristemente a luta que travou de forma activa contra o movimento social e político de emancipação dos judeus desde os finais do século XVIIII até às primeiras décadas do século XX. (…) A salvação de Cristo veio para os circuncisos e para os incircuncisos (Act 11, 1-18). Um homossexual pode ser tão bom católico quanto um heterossexual. «O que há é pouca gente para dar por isso», como dizia Álvaro de Campos. A Igreja é testemunha do mistério de Deus, não pode ser reduzida por algum clero e por uma estranha obsessão homofóbica a uma mera e particularíssima forma de pensar o sexo».
José António Almeida, in O Casamento Sempre Foi Gay E Nunca Triste, &etc., Fevereiro de 2009, pp. 11-29. A colagem é da minha inteira responsabilidade. Ao alto, imagem dos mártires Sérgio e Baco.
3 comentários:
Não sei se já viste isto, mas fica o link: http://www.publico.pt/Sociedade/eles-sao-catolicos-homossexuais-e-praticam_1431894
carissimo não é apenas a igreja catolica, mas asdenominações evangelicas, ambas elas, lutam contra o movimento homossexual, e proclamam os como demonios...porem muitos esquecem dos evangelicos e so criticam os catolicos.
Rui, obrigado pelo link.
Poeta do Inverno, Igreja Católica, Evangélica, whatever...
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