sexta-feira, 9 de abril de 2010

UM ANJO CAÍDO


Talvez seja exagerado afirmar que Baudelaire foi ignorado no seu tempo, talvez não seja exacto atribuir-lhe a raiz do “decadentismo”, mas é inquestionável que perante a sua genialidade as palavras de Luiz Pacheco a António José Forte fazem mais sentido: «Os saloios, como sabes, somos nós todos ─ vistos de paris» (in Mano Forte). Charles Baudelaire nasceu na capital francesa a 9 de Abril de 1821. Rebento de um segundo casamento de François Baudelaire com Caroline Archimbaut-Dufaÿs, foi baptizado com dois meses de existência. O pai tinha sido padre, a mãe era só praticamente 40 anos mais nova que o marido. François faleceu em 1827, tendo Caroline casado um ano depois com Jacques Aupick. Aupick era militar e foi nomeado chefe do estado-maior em Lyon, para onde foi viver com a mulher e o enteado. Foi nessa cidade que Baudelaire fez os primeiros estudos, mudando-se posteriormente para o Liceu de Louis-le-Grand em Paris. A relação que mantinha com o padrasto não era a melhor. Piorou quando o jovem poeta foi expulso do colégio por se ter recusado a denunciar um colega. Ainda assim, os estudos prosseguiram na faculdade de Direito. A frequência do curso foi meramente formal. Por essa altura, Charles Baudelaire já tinha metido no corpo o vício da escrita. Em 1840, a boémia francesa proporcionara-lhe o convívio com outros poetas, encontros com Nerval, baforadas de ópio e uma paixão assolapada por uma prostituta judia chamada Sarah. O padrasto ainda tentou travar-lhe o naufrágio mandando-o para Calcutá. O poeta chegou à ilha da Reunião e voltou para trás. De regresso, com a herança paterna já no bolso, instalou-se na ilha St. Louis e apaixonou-se pela actriz mulata Jeanne Duval. O convívio com outros artistas pautava-se pela entrega progressiva aos paraísos artificiais, do álcool ao haxixe, deste ao ópio. Em dois anos, esbanjou metade da herança paterna. Preocupados, a mãe e o padrasto do poeta tentaram impedi-lo de movimentar o património. O poeta ficou assim mais dependente da mãe e teve de desenrascar-se com uma pensão de 200 francos. Em 1845, começou a publicar críticas de arte e os primeiros poemas. Assinava Baudelaire-Dufaÿs. Nesse mesmo ano, tentou suicidar-se com uma faca. O incidente levou-o de novo para o colo materno, rompendo em definitivo as relações que mantinha com o padrasto. Continuou a publicar textos no Corsaire-Satan, no L’Artiste, aderiu à Societé des gens de lettres, publicando no boletim da mesma a novela A Fanfarlo. Durante a revolução de 1848, envolveu-se na política e juntou-se às barricadas de rua. Com Champfleury e Toubin, publicou o jornal democrático Le Salut Public. Também por esta altura, publicou as primeiras traduções de Edgar Allan Poe. A viver na companhia de Jeanne Duval, continuou a publicar os seus textos em edições dispersas, andou por Dijon e Neuilly, regressando a Paris com frequência. As relações com Jeanne haviam-se deteriorado. Baudelaire estava perdido de amores pela cortesã Apollonie Sabatier, assim como pela obra de Poe. Mas só a Sabatier mandou cartas anónimas, dedicando-lhe vários poemas que viriam a constar da primeira edição de As Flores do Mal (1857). Dividido entre Jeanne e Apollonie, resolveu-se por Marie Daubrun. As Flores do Mal foram publicadas com estardalhaço. O livro foi considerado imoral, obsceno e blasfémico, a maioria dos exemplares acabou apreendida e Baudelaire foi condenado a 300 francos de multa e obrigado a suprimir 6 poemas. Mais uma vez, a (in)justiça revelou-se justa: Victor Hugo escreveu a Baudelaire felicitando-o pela condenação. O poeta era cada vez mais um anjo caído nas teias da posteridade. Saltando de pouso em pouso, a obra prosseguia com redobrada atenção. Em 1859, uma paralisia cerebral tomou conta de Jeanne Duval. Pouco tempo antes, Baudelaire afastara-se de Apollonie Sabatier por ter esta oferecido ao poeta todos os atributos do seu corpo. Algumas perturbações cerebrais, provavelmente provocadas por uma sífilis contraída nos primeiros anos de boémia, começaram a perseguir o autor. Ainda que continuando a publicar textos críticos merecedores de atenção, assim como livros fundamentais ─ Os Paraísos Artificiais (1860), 2.ª edição de As Flores do Mal ─ a ideia do suicídio teimava em não se afastar. A solução passará por abandonar o país de origem e emigrar para a Bélgica, com a intenção de proferir conferências e publicar livros. Mas o acolhimento dos belgas foi praticamente nulo. Por sua vez, em França, sucediam-se artigos elogiosos de Verlaine, Mallarmé, Swinburne. Tudo bons rapazes. Em 1866, um acidente vascular cerebral trouxe-o de novo a Paris. Morreu a 31 de Agosto de 1867, na casa de saúde do Dr. Duval, acompanhado da mãe e de alguns amigos.

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