quinta-feira, 15 de abril de 2010

UMA COISA QUE SIMPLESMENTE ACONTECE

Quis ver com os meus próprios olhos esse castelo gerado pelo ventre das águas, pequena célula da história ainda em gestação. Não julguem falidas aquelas torres, nem superadas as cruzes que levantaram a pedra. Incrustado no tempo, o castelo gerado pelo ventre das águas prova-nos que à dimensão do tempo toda a história é ínfima, todo o passado quase inexistente, toda a vida uma coisa que simplesmente acontece.
Nele já príncipes não se mostram. Provavelmente nunca mostraram. Sinto porém que neste lugar cavaleiros de água doce terão feito das suas, enquanto ao largo viam passar carroças apinhadas de damas, vindas de lavar a roupa no rio e assobiar o fogo nos resguardos da serra. Tomei o caminho do leito, quis ver com os meus próprios olhos onde iam desaguar os fantasmas dos templários, os filhos bastardos que terão sido feitos sob o escudo da soberania nacional.
Lentamente afastado das bermas por súbito temporal, fui dar à foz onde desaguam todos os fantasmas. Não fossem embater contra os corpos paridos pela terra, ao longe um farol guiava-os por entre brumas e tempestades. E foi neste preciso local que me ocorreu uma absurda relação: dos castelos aos faróis vai exactamente a mesma distância que separa um corpo humano das suas referências, com a diferença expressiva de nenhum corpo humano possuir a dignidade de uma muralha inviolável.


Almourol/Nazaré, 2010

2 comentários:

Nuno Dempster disse...

Vi o castelo do comboio quando ia do Porto para Évora, era ainda estudante e estuante de imaginação. Fascinou-me logo que o olhei da janela da carruagem, e depois sempre que por lá passava no mesmo comboio para a cidade branca. Ficou-me como um halo na memória, e assim permanece. Nunca mais o vi nem talvez o vá ver nunca, tão fácil me seria. Julgo que há coisas que devem permanecer na memória como o catelo, inteiras no não-tempo.

hmbf disse...

Voltei lá para mais uma vez constatar que, de facto, nunca regressamos onde já estivemos.