sexta-feira, 21 de maio de 2010

HÁ UM DIA FELIZ


Esta tarde dediquei-me a percorrer
As solitárias ruas da minha aldeia
Acompanhado pelo bom crepúsculo
Que é o único amigo que me resta.
Está tudo como dantes, o Outono
E a sua difusa lâmpada de névoa,
Só que o tempo invadiu tudo
Com o seu pálido manto de tristeza.
Por nenhum instante pensei, acreditem,
Voltar a ver esta querida terra,
Mas agora que regressei não entendo
Como pude afastar-me da sua porta.
Nada mudou, nem as suas casas brancas
Nem os seus velhos portões de madeira.
Está tudo no seu lugar; as andorinhas
Na torre mais alta da igreja;
O caracol no jardim; e o musgo
Nas húmidas mãos das pedras.
Não se pode duvidar, este é o reino
Do céu azul e das folhas secas
Onde tudo e cada coisa tem
A sua singular e plácida legenda:
Até na própria sombra reconheço
O olhar celeste da minha avó.
Estes foram os feitos memoráveis
Que a minha primeira juventude presenciou,
O correio na esquina da praça
E a humidade nas muralhas velhas.
Que maravilha, meu Deus, nunca ninguém
Sabe apreciar a verdadeira felicidade,
Quando a imaginamos mais afastada
É justamente quando está mais próxima.
Ai de mim, ai de mim, algo me diz
Que a vida não é mais que uma quimera;
Uma ilusão, um sonho sem fronteiras,
Uma pequena nuvem passageira.
Vamos por partes, não sei bem o que digo,
A emoção sobe-me à cabeça.
Como já era a hora do silêncio
Quando empreendi a minha singular empresa,
Uma atrás de outra, em muda agitação,
Ao estábulo regressavam as ovelhas.
Saudei-as pessoalmente a todas
E quando estive frente ao bosque
Que alimenta o ouvido do viajante
Com a sua inefável música secreta
Recordei o mar e contei as folhas
Em homenagem às minhas irmãs mortas.
Muito bem. Segui a minha viagem
Como quem nada espera da vida.
Passei frente à roda do moinho,
Detive-me diante de uma mercearia:
O aroma do café é sempre o mesmo,
Sempre a mesma lua na minha cabeça;
Entre o rio de outrora e o de agora
Não distingo nenhuma diferença.
Reconheço-a bem, esta é a árvore
Que o meu pai plantou frente à porta
(Pai ilustre que nos seus bons tempos
Foi melhor que uma janela aberta).
Atrevo-me a afirmar que a sua conduta
Era uma cópia fiel da Idade Média
Quando o cão dormia docemente
Debaixo do ângulo recto de uma estrela.
Sinto que nestas alturas me envolve
O delicado aroma das violetas
Que a minha amorosa mãe cultivava
Para curar a tosse e a tristeza.
Quanto tempo passou desde então
Com certeza não o poderia dizer;
Está tudo igual, seguramente,
O vinho e o rouxinol em cima da mesa,
A esta hora os meus irmãos mais novos
Devem estar a regressar da escola:
Só que o tempo apagou tudo
Como uma branca tempestade de areia!



Nicanor Parra, de Poemas y Antipoemas (1954).
Versão de HMBF.

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