sexta-feira, 28 de maio de 2010

O PEREGRINO




Atenção, senhoras e senhores, um momento de atenção:
Voltai por um instante a cabeça para este lado da república,
Esquecei por uma noite os vossos assuntos pessoais,
O prazer e a dor podem aguardar à porta:
Ouve-se uma voz deste lado da república.
Atenção, senhoras e senhores! Um momento de atenção!

Uma alma que esteve encurralada durante anos
Numa espécie de abismo sexual e intelectual
Alimentando-se escassamente pelo nariz
Deseja fazer-se escutar por vocês.
Desejo que me informem sobre algumas matérias,
Necessito de um pouco de luz, o jardim está coberto de moscas,
Encontro-me num estado mental desastroso,
Raciocino à minha maneira;
Enquanto digo estas coisas vejo uma bicicleta apoiada num muro,
Vejo uma ponte
E um automóvel que desaparece ente os edifícios.

Vocês penteiam-se, é certo, vocês andam a pé pelos jardins,
Debaixo da pele vocês têm outra pele,
Vocês possuem um sétimo sentido
Que vos permite entrar e sair automaticamente.
Mas eu sou uma criança que chama pela mãe atrás das rochas,
Sou um peregrino que faz saltar as pedras à altura do seu nariz,
Uma árvore a implorar que a cubram de folhas.


Nicanor Parra, de Poemas y Antipoemas (1954).
Versão de HMBF.

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