domingo, 20 de junho de 2010

DISCURSO FÚNEBRE



É um erro acreditar que as estrelas
Podem servir para curar o cancro.
O astrólogo diz a verdade
Mas equivoca-se a este respeito.
Médico, o caixão cura tudo.

Acaba de morrer um cavalheiro
E pediu-se ao seu melhor amigo
Que pronunciasse as últimas palavras,
Mas eu não quisera blasfemar,
Apenas quisera fazer umas perguntas.

A primeira pergunta da noite
Refere-se à vida depois da morte:
Quero saber se há vida depois da morte
Nada mais que se há vida depois da morte.

Não quero perder-me neste bosque.
Vou sentar-me nesta cadeira negra
Próxima do catafalco do meu pai
Até que me resolvam o meu problema.
Tem de estar alguém em segredo!

Como não o saberão o marmorista
Ou aquele que muda a camisa ao morto?
O que constrói o vão sabe mais?
Que cada qual me diga o que sabe,
Todos estes trabalham com a morte.
Estes devem tirar-me da dúvida!

Coveiro, diz-me a verdade,
Como não vai existir um tribunal,
Ou os próprios vermes são os juízes?
Tumbas que pareceis botequins,
Respondei-me ou arranco os cabelos
Porque já não tenho mão nos meus actos,
Só quero rir e soluçar.

Os nossos antepassados foram destros
Na confecção da morte:
Disfarçavam o morto de fantasma,
Como que para afastá-lo ainda mais,
Como se a distância da morte
Não fosse por si só já incomensurável.

Há uma grande comédia funerária.

Diz-se que o cadáver é sagrado.
Mas todos se livram dos mortos.
Com que objectivo os põem em fileiras
Como se fossem latas de sardinhas?

Diz-se que o cadáver deixou
Um vazio difícil de preencher
E compõem-se versos em sua honra.
Falso, porque a viúva não respeita
Nem o caixão nem o leito do defunto!

Um professor acaba de morrer.
Por que se despedem os amigos?
Para que por acaso ressuscite?
Para elucidarem seus dotes oratórios!
E por que se arrancam os cabelos?
Para estirar os dedos da mão!

Em suma, senhoras e senhores,
Só eu me compadeço dos mortos.

Esqueço-me da arte e da ciência
Ao visitar as suas miseráveis choças.

Só eu, com a ponta do meu lápis,
Faço sonhar o mármore das tumbas.

Ponho as caveiras no seu sítio.

Os pequenos ratos sorriem-me
Porque sou o amigo dos mortos.

Estou velho, não sei o que se passa comigo.
Por que sonho pregado a uma cruz?
Caíram os panos derradeiros.
Passo a mão pela nuca
E vou cavaquear com os espíritos.


Nicanor Parra, de Versos de Salón (1962)
Versão de HMBF

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