Conheci Saramago em Maputo em 1999. Inteligência brilhante, perspicácia cultural e política supra-apurada: nessa altura logo percebeu onde e como estava, tão ao contrário de tantos outros literatos que chegavam naquele “comboio descendente”. Não li Saramago, pelo que não tem sentido escrever um post sobre a sua morte. Escreveu, desassossegou, construiu mundos ficcionais & escrita da terra, tomou posições políticas assumidas (qualidade de homem livre), deixou-nos coisas luminosas e boas. obrigada pelas gargalhadas que provocaste ao meu Pai durante a leitura d'O Memorial do Convento. Surpreendeu-me a surpresa que me causou a notícia. Era esperada. E agora um pequeno desabafo: se há coisa que me irrita é ouvir alguém dizer: não gosto de ler Saramago... ele não sabe pontuar. O que entendem estas pessoas por pontuação? Rumores de que escrevia sem acentos e sem vírgulas e a texto corrido são completamente falsos, só quem não o lê é que pensa assim. O Ano da Morte de Ricardo Reis continua a ocupar um lugar mágico na minha memória. Desde 1976 que vivia exclusivamente do seu trabalho literário. Fixou-se definitivamente na ilha de Lanzarote, arquipélago das Canárias, em 1993. O meu livro favorito dele é o Levantado do Chão. Pela geografia, está ali um Alentejo que não vivi, mas que ficou a viver em mim. A sensação que tenho, com a morte de José Saramago, é que ele (e também Agustina) foi o último dos grandes -- não no sentido da qualidade literária, porque, felizmente, enquanto houver Literatura haverá sempre quem faça uso das palavras para acrescentar mundos ao mundo; mas no da aproximação simbólica ao escritor demiurgo, maitre à penser ou não, alguém doutro patamar, transportando consigo a aura dos que sentem mais fundo e mais longe. Deus chamou-o para autografar O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Romancista, poeta e dramaturgo, autodidacta, José Saramago, segundo consta na sua biografia, apenas concluiu estudos secundários, dadas as dificuldades económicas familiares. Foi jornalista e militante do partido comunista, tendo sido também serralheiro e tradutor. O escritor português e Prémio Nobel da Literatura em 1998 José Saramago morreu hoje aos 87 anos em Lanzarote. O autor português encontrava-se doente mas em estado «estacionário», mas a situação agravou-se, explicou o seu editor, Zeferino Coelho. Como não vou poder actualizar o blogue nas próximas horas, justamente por causa desta infeliz notícia, assinalo para já o meu desgosto e a minha tristeza pela perda de um grande, de um imenso escritor. A última década e meia trouxe-lhe o reconhecimento internacional. Oriundo do proletariado, conseguiu impor a obra à revelia da tutela universitária. A História não diz a verdade. A Literatura, sim. Saramago renovou a antiga arte de contar histórias e, sendo dotado de uma imaginação prodigiosa, não a usou para fugir a este mundo, mas para denunciar a estreiteza do real e a possibilidade de outros mundos. Fez o que queria. Ignorou os ignorantes. Saramago é um escritor que se conquistou a si mesmo, que encontrou a sua maneira em pleno percurso. Que fez o seu caminho, caminhando. "Él decía que en el epitafio había que ponerle: aquí yace José Saramago en discordia". Era um homem de fibra, dos antigos. Mr. Saramago loved to tell a story of how he came by his surname. His real family name was de Sousa. But when, as a 7-year-old boy, he showed up for his first day of school and presented his birth certificate, it was discovered that the clerk in his home village had registered him as José Saramago. “Saramago,” which means “wild radish,” a green that country people were obliged to eat in hard times, was the insulting nickname by which the novelist’s father was known. O seu livro mais importante para mim foi «Levantado do Chão». Escrito para homenagear José Adelino dos Santos e Germano Vidigal, dois militantes do PCP assassinados pela PIDE na GNR de Montemor-o-Novo, o livro nasceu em casa de João Basuga onde José Saramago viveu perto de 6 meses, ouvindo com atenção e tomando notas das histórias das gentes do Lavre. Menino da Penha de França (Rua Carlos Ribeiro), filho de um subchefe da PSP e de uma doméstica, agradeceu as histórias contadas na dedicatória com os 16 nomes dos homens e mulheres do Lavre. Nunca imaginei a morte deste senhor. Agora que morreu - ouvi há pouco na rádio - tenho apenas duas certezas: homens destes já não se fazem e vão definhando um a um. O elefante fez a última viagem para se encontrar com a morte de Ricardo Reis. O “interesse jornalístico” canibaliza a memória do homem, do comunista, a sua dimensão ética, humana e política. Morreu abraçado às palavras. Deviam ser umas 3 horas quando me apercebi de que José Saramago estava no pavilhão da Caminho para dar autógrafos. E sem ninguém a fazer fila, o que para mim foi surpreendente - nunca tinha pedido um autógrafo a Saramago, exactamente por causa das filas...a verdade é que a ausência do Chefe de Estado enquanto tal, acarretando a de Cavaco Silva enquanto sua expressão acidental particularmente ridícula, só pode honrar um "homem de convicções e literatura" como José Saramago... As vuvuzelas não tardarão a silenciar-se. Uma vida, como sempre, reduzida a cinzas. A erisipela deixará de afligir os de olhar torvo. Blimunda, no entanto, permanece, e o espírito do morto será lido pelos vivos. O José Saramago era o meu preferido dos escritores vivos. Agora o José Saramago é um dos meus preferidos dos escritores imortais. Morre Saramago e, como sempre que morre alguém incómodo, o baixo-nível das figuras do regime vem ao de cima. Fui apanhado (fomos todos) completamente de surpresa. Ainda me custa a acreditar. Não se tem de gostar do homem para se gostar dos livros. Ou vice-versa. Talvez até a maioria dos bons escritores não seja flor que se cheire. É possível. Hoje os jornais noticiam que Cavaco e Jaime Gama não irão ao seu funeral. Fazem mal. Porque Cavaco e Gama não são o senhor Silva e aquela viscosidade que encima o parlamento. São, como dizem os reclamantes indignados, pessoas a quem pagamos para isto. Um escritor aprende também muito nascendo e vivendo num país onde as elites são medíocres e mesquinhas, e cujas imaginações não aceitam que pode ter nascido um génio na Azinhaga, Ribatejo. Nem os estudos secundários os completou o Nobel da língua portuguesa. Não foi pois o sistema formal do ensino que lhe suscitou a gramática e a criatividade artística. José Saramago, Prémio Nobel, é uma obra exclusivamente sua.
Nota: isto é apenas um pequeno apanhado de citações que fui respigando em weblogs que acompanho diariamente. Se clicar nas citações será encaminhado para as fontes.
Nota: isto é apenas um pequeno apanhado de citações que fui respigando em weblogs que acompanho diariamente. Se clicar nas citações será encaminhado para as fontes.
4 comentários:
estou desolado...
Lá mais para o final do dia, boto aqui prosa sobre a ida do mestre. Saúde,
Acho q vale a pena acrescentares um link para este: http://piscadegente.blogspot.com/2010/06/escritores-e-jornalistas.html
(e já agora passares a ir lá com frequência, se ainda não o fazes)
:-) por acaso já aí está um link para o pisca, mas vou deixar também esse :-)
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