terça-feira, 29 de junho de 2010

O PEQUENO BURGUÊS

Aquele que quiser chegar ao paraíso
Do pequeno burguês tem que percorrer
O caminho da arte pela arte
E engolir grandes quantidades de saliva:
O noviciado é quase interminável.

Lista do que tem de saber:

Dar com arte o nó da gravata
Entregar o cartão de visita
Dar dinheiro por sapatos de luxo
Consultar o espelho veneziano
Estudar-se de frente e de perfil
Ingerir uma dose de conhaque
Distinguir uma viola de um violino
Receber as visitas em pijama
Impedir a queda do cabelo
E engolir grandes quantidades de saliva.

Tudo tem de estar nos seus arquivos.
Se a sua mulher se entusiasmar com outro
Recomendo-lhe os seguintes truques:

Barbear-se com lâminas de barbear
Admirar as belezas naturais
Fazer crepitar um pedaço de papel
Aguentar uma conversa por telefone
Disparar com um fuzil de salão
Arranjar as unhas com os dentes
E engolir grandes quantidades de saliva.

Se deseja brilhar nos salões
O pequeno burguês
Deve saber andar de gatas
Espirrar e sorrir ao mesmo tempo
Dançar uma valsa à beira do abismo
Endeusar os órgãos sexuais
Despir-se diante de um espelho
Desfolhar uma rosa com um lápis
E engolir grandes quantidades de saliva.

Perante tudo isto cabe perguntar-se
Se Jesus Cristo foi um pequeno burguês?

Está visto que para se poder chegar
Ao paraíso do pequeno burguês
Há que ser um perfeito acrobata:
Para poder chegar ao paraíso
Há que ser um perfeito acrobata.

Com razão o verdadeiro artista
Se entretém a matar libelinhas!

Para sair do círculo vicioso
Recomendam o acto gratuito:

Aparecer e desaparecer
Caminhar em estado cataléptico
Dançar uma valsa num monte de escombros
Embalar um ancião entre os braços
Sem soltar os olhos dos seus olhos
Perguntar as horas ao moribundo
Cuspir na palma da mão
Apresentar-se de fraque nos incêndios
Irromper com o cortejo fúnebre
Ir mais além do sexo feminino
Levantar essa tampa funerária
Ver se cultivam árvores lá dentro
E passar de uma vereda a outra
Sem referências ao porquê nem ao quando
Pela solitária virtude da palavra
Com seu bigode de galã cinematográfico
À velocidade do pensamento.



Nicanor Parra, de Versos de Salón (1962)
Versão de HMBF

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