sexta-feira, 30 de julho de 2010

SIGMUND FREUD



Pássaro com as penas na boca
Já não se aguenta o psiquiatra:
Relaciona tudo com o sexo.

É das obras de Freud que vêm
As afirmações mais peregrinas.

Segundo este senhor
Os objectos de forma triangular
─ Esferográficas, pistolas, arcabuzes,
Lápis, canudos, bastões ─
Representam o sexo masculino;
Os objectos de forma circular
Representam o sexo feminino.

Mas o psiquiatra vai mais além:
Não só cilindros e cones
Quase todos os corpos geométricos
São para ele instrumentos sexuais
Até as Pirâmides do Egipto.

Mas a coisa não termina aqui
O nosso herói vai muito mais longe:
Onde nós vemos artefactos
Vemos, digamos, lâmpadas ou mesas
O psiquiatra vê pénis e vaginas.

Analisemos um caso concreto:
Um neurótico vai por uma rua
Subitamente volta a cabeça
Porque algo lhe chama a atenção
─ Uma bétula, umas calças às riscas
Um objecto que atravessa o ar ─
Na nomenclatura do psiquiatra
Isso quer dizer
Que a vida sexual do seu cliente
Anda pelas ruas da amargura.

Vemos um automóvel
Um automóvel é um símbolo fálico
Vemos um edifício em construção
Um edifício é um símbolo fálico
Convidam-nos para andar de bicicleta
A bicicleta é um símbolo fálico
Vamos acabar ao cemitério
O cemitério é um símbolo fálico
Vemos um mausoléu
O mausoléu é um símbolo fálico.

Vemos um deus cravado numa cruz
Um crucifixo é um símbolo fálico
Compramos um mapa da Argentina
Para estudar o problema das fronteiras
Toda a Argentina é um símbolo fálico
Convidam-nos para a China Popular
Mao Tse-tung é um símbolo fálico.
Para regularizar a situação
Há que dormir uma noite em Moscovo
O passaporte é um símbolo fálico
A Praça Vermelha é um símbolo fálico.

O avião deita fogo pela boca.
Comemos pão com manteiga
A manteiga é um símbolo fálico.
Descansamos um pouco num jardim
A borboleta é um símbolo fálico
O telescópio é um símbolo fálico
O biberão é um símbolo fálico.

Num capítulo diferente
Vêm as alusões à vulva.
Vamos omiti-las por decoro
Quando não a comparam a um mocho
Que representa a sabedoria
Comparam-na com sapos e com rãs.

No aeroporto de Pequim
Faz um calor infernal
Esperam-nos com flores e refrescos.
Nunca tinha visto flores tão bonitas
Desde que faço uso da razão
Nunca tinha visto gente tão amável
Desde que o mundo é mundo.
Nunca tinha visto gente tão alegre
Desde que os planetas são planetas.

Desde que fui lançado
Para fora do paraíso terrestre.

Mas voltemos ao nosso poema.

Ainda que pareça estranho
O psiquiatra tinha razão
No momento de atravessar um túnel
O artista começa a delirar.
Para começar levam-no a uma fábrica
É aí que a loucura começa.

Sintoma principal:
Relaciona tudo com o acto
Já não distingue a lua do sol
Relaciona tudo com o acto
Os pistões são órgãos sexuais
Os cilindros são órgãos sexuais
As máquinas órgãos sexuais
As manivelas órgãos sexuais,
Os altos fornos órgãos sexuais
Porcas e parafusos órgãos sexuais
Locomotivas órgãos sexuais
Embarcações órgãos sexuais.

O labirinto não tem saída.

O Ocidente é uma grande pirâmide
Que começa e termina num psiquiatra:
A pirâmide está por desmoronar.



Nicanor Parra, in Otros poemas [1950-1968]
Versão de HMBF

1 comentário:

Fábio Ulrich disse...

dura e atrevida tarefa àquela de falar de algo que foi construído. Mas deve ser dito : chato. Não vale tudo que não seja tão mais criativo.

sinto muito