«As folhas dos dias estavam em branco.»
Em Agosto havia
tempo e vagar. Obras
paradas, cães sem coleira
e um vizinho sentado à janela
entre cortinas de mofo. Hang on
sleepy town. Tudo adiado.
Sobrávamos nós, os conspiradores,
murados no terraço pela sombra
das montanhas; sobravam
também, toda a tarde,
as luzidias ilhas de vinil
em rotação –
e enquanto o espinho
de diamante as percorria,
víamos por vezes
acender-se na penumbra
a cidade de onde nos tinham
degredado desde sempre
e para sempre, tão forte
era o apelo da estranha língua
nativa: ruas sem retorno, negras
escadarias, túneis que levavam,
madrugada dentro, aos enredos
do futuro –
por favor, por favor,
que tudo comece. Num silêncio
sem paz nem sossego
ficávamos depois abandonados.
E esses foram, já se sabe,
os melhores dias.
Rui Pires Cabral, in Oráculos de Cabeceira, com ilustrações de Daniela Gomes, Averno, Junho de 2009, pp. 16-17.
6 comentários:
Este poema é SOBERBO!
Excelente o vosso bom gosto! Gosto!
Anda muito boa a safra de conchas. Cá as vou lendo, longe da praia. Um abraço.
Hoje está mau dia para a praia. Pode ser que se arranje uma travessa de conchas.
como todos os poemas deveriam ser!!
abraços
«Num silêncio
sem paz nem sossego
ficávamos depois abandonados.
E esses foram, já se sabe,
os melhores dias.»
Que não te faltem os teus:)
Seja.
(a beber um branco à saúde dos amigos)
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