domingo, 5 de setembro de 2010

MILITANTEMENTE ANTIMILITANTE


Em 1969, a poesia de Nicanor Parra foi reconhecida com o Prémio Nacional de Literatura. Obra gruesa, uma antologia da sua produção poética desde Poemas y antipoemas, foi publicado por essa ocasião. Aos poemas antigos juntaram-se novas secções, entre as quais La camisa de fuerza e Otros poemas. Nesses poemas encontraremos a personagem antipoética do energúmeno, «el hombre apartado o separado de la masa social por su vociferante, enajenada y agresiva actitud ante las “camisas de fuerza” que quieren imponerle las grandes construcciones ideológicas (el capitalismo, el marxismo, el cristianismo)». Um dos poemas mais representativos desta fase é A Batalha Campal. A postura política de Nicanor havia atingido um ponto de saturação crítica algo diferente da que encontramos nos poemas iniciais, tendendo agora para uma espécie de «militância antimilitante». Sem cartão partidário, o seu compromisso passa a ser contra a coerção, a corrupção da autoridade, os excessos do capitalismo. O seu dogma é antidogmático. O sarcasmo, uma ironia brutal, são os únicos ornamentos do poema. Curiosamente, será o Taller de Creación Teatral de la Universidad Católica do Chile a levar a palco uma encenação destes poemas. Posteriormente, Nicanor dedicar-se-á à arte postal. Os “artefactos” de 1972 são poemas visuais publicados sob a forma de postal. Neles se misturam vários elementos (palavra, desenho, fotografia, etc) que resultam num forte exercício epigramático. Em muitas ocasiões, o muro passará a ser a página do antipoeta e o graffiti a sua forma de expressão mais directa. Neste sentido, Nicanor Parra distancia-se, e muito, de toda a tradição poética chilena, nomeadamente do primeiro Vicente Huidobro, cuja teoria criacionista conferia à poesia e ao poeta um grau de excepcionalidade. Para Parra o poeta é um caçador de palavras, «não produz poesia, compõe poesia. Não é mais do que um ouvido atento que recolhe a sua poesia das bocas dos seus falantes. (…) Por isso o poeta viaja pelo mundo com um noticiário na mão, cheio de toda esta poesia produzida pelo colectivo». A fauna microbiana é a sua fonte, o olho microscópico o seu instrumento. Daí que Parra renegue, ou, pelo menos, desprestigie o conceito de autor. No mesmo ano em que surgem os artefactos, aparecem os Emergency poems, ou seja, 31 novos poemas a acrescentar a outros publicados na Obra gruesa. Um desses poemas, é este

NÃO ACREDITO NA VIA PACÍFICA

não acredito na via violenta
gostaria de acreditar
em algo ─mas não acredito
acreditar é crer em Deus
a única coisa que eu faço
é encolher os ombros
perdoem-me a franqueza
nem na Via Láctea eu acredito.


Ao alto: um dos artefactos do livro de 1972, que recupera um verso do poema Frases.

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