O democrático calça seu aperto de mão de camurça anti-séptica e tira macacos do nariz da criança para os comer em público. Delirantes os pais servem-lhe as crias numa travessa azul andorinha com um requerimento espetado na boca. O democrático que fez constar que a liberdade é o democrático gostar de leitão ingere a criança tostada numa mastigação que os microfones traduzem numa língua para falar às baratas e dá finalmente um arroto. «Cheira a futuro» dizem os pais com a mão na algibeira acariciando seu órgão de continuidade. E cantam hinos até a polícia vir. Chegou a altura do democrático tirar sua jovial dentadura falsa para se entregar à mágica do inúmero monstro parado. Põe bigodeira soviética pingona da lavagem que azedou na baixela do czar. Entra no fraque de cangalheiro lusíada e dedica-se à caridade sepultando os vivos para adubar os ciprestes desvalidos. Dá pulos de alegria americana até ficar um símio bestialmente obcecado pela pichota que manuseia como uma metralhadora. Mandarina-se manipanço de Mao e pede ao feng shui que transforme os homens em pragas de gafanhotos.
Felizmente o democrático não é outra coisa além do que não é. Se o democrático fosse uma oleografia de Nosso Senhor Jesus Cristo, encimava as camas de todos os bordéis latinos, cristianissimamente pendurado pelo fervoroso mau gosto das prostitutas. Se o democrático fosse verdade, a Terra era a peta mais descarada do sistema planetário que a consente porque sabe em sua cósmica sabedoria que o democrático há-de passar como susto que é de termos os pés vermelhos em Marte e as têmporas floridas em Vénus, lindíssimos passos da dança em que se alargará o nosso círculo de ossificadas interjeições quando o democrático se fatigar de ser uma diligente mentira.
Minuto a minuto conheço os milénios sombrios do democrático a fazer recuar o tempo para nos desfigurar. Porque como todos aqueles que engolem a espada em chamas do amor eu conheço o medo e digo-vos que o democrático é o nosso medo de haver democracia. Ah, creiam-me, o democrático é, no centro da nossa crisólita de feridas abertas para a liberdade, a sufocação que não deixa haver democracia.
Atenção. Não vos falo da política das políticas. Mas, tanto dá, da musculada democracia solar deste dia que arrombou com um murro a lua, impressora de preciosas estampas prometidas no sonho, para conduzir o formigueiro do folclore consumista ao santuário da Síbaris do Efémero. Querem exemplo mais cabalmente triunfante do democrático?
A POLÍTICA DO DIA
Hoje a vida tem o sorriso
dentífrico dos candidados
e pelas ruas nos aponta
o céu em múltiplos retratos
céu não póstumo ou merecido
em cruel sala de espera
mas entre parêntesis de fogo
festiva véspera de guerra.
Teor de montras a vida
com democrático amor
a todos deixa gozar
sua dose de consumidor.
Publicitária a vida faz
sua campanha eleitoral:
É entrar meus senhores, quem dá mais
por princípios que não têm final?
Televisor férias de verão
tira a vida do seu discurso
e um partido providencial
que nos domestica o urso.
Popular a vida é toda
pétalas de apertos de mão.
Que meus versos me salvem
de cair nesse alçapão!
De A Mosca Iluminada (1972), in O Sol Nas Noites e O Luar Nos Dias, Círculo de Leitores, Março de 1993, pp. 450-452. A ler Lembrar Natália de Eduardo Pitta.
5 comentários:
Natália faz falta à poesia, à mátria e à política: lembro a célebre resposta ao deputado Morgado...Aliás ela e a odete Santos, cada uma a seu jeito, fazem falta na monotonia do nosso parlamento.
Concordo.
Linda e muito forte. Tenho os registos de uma famosa sessão na assembleia em que disse uns belos versos a um deputado para quem o sexo era essencialmente para prolongar a espécie.
~CC~
desassombrada, emancipada, apaixonada, poderosa mulher. assustou muitos homens, claro, e ainda mais porque falava do corpo e de sexo. e ainda mais porque fazia descaradamente a corte aos que lhe agradavam :) desta cepa há poucas que se revelem publicamente.
De acorco.:-)
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