domingo, 12 de setembro de 2010

BOM VINHO




O primeiro aniversário do filho de um amigo levou-me à Aroeira. É sempre agradável atravessar a ponte para o outro lado, recordar os tempos em que passava férias na Sobreda, em casa de uma tia que fazia uns maravilhosos iogurtes caseiros e se especializou, entretanto, em marmelada e compotas de tomate, maçã, pêra. Compreendo que para quem tenha de fazer aquela travessia todos os dias, a paisagem sobre a ponte perca o encanto que tem para quem lá passa muito de vez em quando. No meu caso, significa atravessar a memória com uma bela vista em pano de fundo. Encontrada a Rua José Gomes Ferreira, numa avenida atravessada por Jorge de Sena, Almada Negreiros, entre outros poetas que o mais que podem almejar é oferecerem o nome a uma rua, lá dei com dois velhos e bons amigos. Estamos todos mais gordos, carcomidos pelas obrigações domésticas, pelo trabalho, mas ainda sabemos rir, mesmo quando o riso se apoia apenas em velhas recordações. Cada qual com os seus projectos, carregando as necessidades das respectivas proles, sentiremos sempre que podíamos ser o que não somos, podíamos ser o que somos mas de outra maneira, podíamos simplesmente não ser… As variáveis são imensas e, roubando o verso ao Rui Costa, as limitações do amor são infinitas. Sucede que entre desabafos e lamentações surgem sempre boas histórias. Nascido em 2005, o filho de um dos meus amigos ofereceu ao avô o pretexto para uma colecção: garrafas de vinho, todas elas de 2005. Diz que vai em mais de duas centenas. Vinhos de todo o lado, sobretudo sul-americanos e europeus. Parece-me uma excelente colecção, e a dedicação do avô tem um lado comovente ao qual é impossível escapar sem uma certa nostalgia do futuro. Se lá chegarmos, como iremos nós ocupar o tempo daqui a 30 anos? 35 anos passados, a gente sabe que metade da vida está cumprida e que o porvir há-de estar irremediavelmente ligado ao que já foi. Coleccionar vinhos com a data de nascimento dos netos parece-me uma opção agradável, até porque não conheço nada que se assemelhe tanto aos homens como o vinho. Na verdade, tendo cada vez mais a pensar que não conheço nada que se assemelhe tanto ao vinho como os homens. Há os que envelhecem bem e os que envelhecem mal. E é tudo.

1 comentário:

sonia disse...

Que primor de história você nos contou! Atravessei essa ponte na imaginação e entrei na casa de seu amigo, apreciei o bom papo entre vocês e achei a idéia da coleção de vinhos, com data de nascimento dos netos, simplesmente sensacional! Sempre é um bom pretexto para convidar os amigos para uma rodada de um bom vinho, desde que cada um traga uma garrafa de 2005 e mais para a frente, do ano do nascimento dos futuros netos!