domingo, 10 de outubro de 2010

VELHOS HÁBITOS

Camarada Van Zeller, a tia Manuela Leite queria suspender a democracia por uns tempos, Cavaco quer agora suspender o debate político. Eis o PSD, um exemplo de ética democrática e cultura republicana. Um deputado do partido que está no governo, de seu nome Galamba, afirmou ontem na televisão que o próximo orçamento é desastroso, mas não nos restam alternativas. Para o PS somos governados pelos mercados financeiros, é bom que não lhes provoquemos contracções não vão os mercados parir mais crises. Portanto, o PS não está no governo para governar. Está no governo para assistir aos partos dos mercados financeiros. O PS é uma espécie de parteira ou enfermeira dos mercados financeiros. O PSD diz que vai negociar o orçamento sob chantagem, o que prefigura um novo tipo de negociação desconhecido desde que Aristóteles havia compilado os domínios da lógica no seu Organon. Estes novos líderes não aprenderam nada com Ferreira Leite e Cavaco. Não se chama chantagem, chama-se suspensão da democracia a bem do interesse nacional. A Marta Rebelo diz que leu A República, de Platão, mas a gente duvida. É gira, a Marta. Os jornais dizem que as famílias terão de poupar mais, mas eu não vejo como. Cá em casa é chapa ganha, chapa gasta. Na casa de outros é chapa ganha, chapa empréstimo. Também conheço uns que é chapa ganha, chapa dívida. E há os que nem chegam a ganhar para a chapa. Só vejo uma forma de começar a poupar: deixar de limpar o cu com papel higiénico. Por falar em papel higiénico, salvo seja, prossigo na leitura de O Poder e o Povo. Muitos velhos hábitos fui ali reencontrar. Ora veja só:

Segundo O Mundo, em 1904, 52 dos principais políticos monárquicos tinham entre si 263 empregos, ou seja, uma média de 4,7 empregos por cabeça. Havia um cavalheiro ubíquo com 11 empregos, dois com 9, três com 8, seis com 7, dos com 6, treze com 5, nove com 4, dezassete com 3 e dois principiantes só com 2. Um típico exemplar da raça, como António Centeno (7 empregos), podia ser simultaneamente deputado progressista, membro do conselho fiscal da Companhia Real dos Caminhos-de-Ferro Portugueses, administrador de A Editora, director da Companhia Tauromáquica Lisbonense, administrador da Companhia do Niassa, director da companhia de Papel do Prado e administrador da Companhia do Gás do Porto.

Não sei, camarada Van Zeller, mas este Centeno lembrou-me o Valentim de Gondomar, o último moicano da nação. Ele há mistérios que se escondem na genética de um país, esta coisa da distribuição de cargos e funções é um deles. Um outro é o escândalo apimentado. Com pimenta me despeço:

Em 1891, O Século fez rebentar o «escândalo Sara de Matos». Sara de Matos, uma rapariga de 14 anos, aluna interna do Convento das Trinas, morrera em circunstâncias suspeitas. A autópsia revelara a presença de uma substância tóxica no organismo e o facto, considerado escandaloso, de que a falecida já não era virgem. Na base destas «provas», O Século concluiu que Sara fora, primeiro, violada e, depois, envenenada para não revelar o nome do violador. (…) [Mais tarde, levantou-se] a chamada «questão dos bispos», cujo episódio central foi o famoso «escândalo Ançã». A «questão» começou em Agosto [de 1909], quando o maioral dissidente, José Maria Alpoim, acusou a Igreja de manter seminários ilegais e pediu um inquérito. Com o cardeal-patriarca à frente, os bispos recusaram-se a responder. Entretanto, o bispo de Beja demitira dois professores do seminário local ( os irmãos Ançã), medida que, de acordo com a lei, não podia tomar sem autorização governamental. A Igreja justificou este acto com o argumento de que os padres de Ançã eram proprietários de um bordel. A isto o primogénito pertinentemente replicou que o bispo lhe fizera propostas homossexuais, chegando ao pormenor de reclamar «a passiva».

Ai camarada, camarada, que nunca nos faltem os bispos de Beja para apimentarmos dias tão chuvosos.

Nota:
as citações são do livro O Poder e o Povo, de Vasco Pulido Valente, Alêtheia, 6.ª edição, Setembro de 2010.

4 comentários:

Ana Cristina Leonardo disse...

Obrigada pelo link. O Platão merece.

hmbf disse...

Ora essa, adoro diálogos narrados na primeira pessoa.

Amélia disse...

Óptimo!

hmbf disse...

Amélia, óptimo óptimo é esse "p" antres do "t" não ter caído.