domingo, 10 de outubro de 2010

DOIS POEMAS DE NICANOR PARRA

XXIV

Quando os espanhóis chegaram ao Chile
mostraram-se surpreendidos
por não haver aqui ouro nem prata
neve e gravilha sim: gravilha e neve
nada que valesse a pena
os alimentos eram escassos
e dirão vocês que continuam a ser
é o que eu pretendia sublinhar
o povo chileno tem fome
sei que por pronunciar esta frase
posso ir parar a Pisagua (1)
mas o incorruptível Cristo de Elqui não pode ter
outra razão de ser senão a verdade
o general Ibáñez (2) que me perdoe
não se respeitam os direitos humanos no Chile
aqui não existe liberdade de imprensa
aqui mandam os multimilionários
o galinheiro está a cargo do raposo
claro que eu vou pedir-vos que me digam
em que país se respeitam os direitos humanos.

XXVI

Resumindo a coisa
ao tomar uma folha por uma folha
ao tomar um ramo por um ramo
ao confundir um bosque com um bosque
estamos a comportar-nos frivolamente
esta é a quintessência da minha doutrina
felizmente já começam a vislumbrar-se
os contornos exactos das coisas
e vê-se que as nuvens não são nuvens
e vê-se que os rios não são rios
e vê-se que as rochas não são rochas
são altares
……………..são cúpulas!
……………………………….são colunas!
e nós devemos dizer a missa.


Nicanor Parra, in Sermones Y Prédicas Del Cristo De Elqui (1977)
Versão de HMBF


1. Localidade chilena convertida em centro de detenção pelos governos ditatoriais do séc. XX.
2. Carlos Ibáñez del Campo foi Presidente da República do Chile entre 1927 e 1931 e 1952 e 1958.

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