Camarada Van Zeller, deixe que lhe diga: ando, como dizê-lo?, embasbacado. Não será bem o termo. Boquiaberto, talvez, embora essa condição se deva mais ao nariz entupido que aos reais motivos que aqui me trazem. Ando atolado de espanto e estacado de assombro. Vocelência veja, o mundo não está para menos. A médio Tejo um tornado resolve varrer tudo o que apanha pela frente deixando atrás de si um caos estimulante, em Espanha os controladores de voo põem em prática o que o poeta tinha posto em poesia, do ar caem bocados de um avião angolano, o Nobel da Paz foi entregue a uma cadeira vazia, os quadros de Picasso ficam por leiloar por causa de um electricista, o Messias chame-se Assange é louro e nasceu na Oceania, a França e a Alemanha recusam continuar a contribuir para o salvamento do euro, o euro está com falta de ar, em Portugal publicam-se livros que lembram o escudo, caem-nos lágrimas dos olhos, a nostalgia é uma ferramenta poderosíssima, a PSP foi ao Martim Moniz deter um indivíduo e identificar umas centenas, tememos que se tivesse ido à AR teria detido umas centenas e identificado 1 indivíduo, provavelmente o Manuel Alegre que, curiosamente, tem andado com um ar bastante pesaroso… Há remédio santo: ouvir o professor Marcelo aconselhar juizinho ao PSD, algo semelhante a ouvir a Dra. Jennifer Melfi aconselhar juizinho ao Anthony Soprano. Mas a cereja no topo do bolo é a nova ideia para resolver a crise (começo a pensar que já não há grande diferença entre dizer ideia para resolver a crise e ideia para a crise). Ei-la: «Patrões da indústria dizem que fundo para financiar despedimentos tem “pernas para andar”». A minha mulher ouviu isto e ficou com a periquitos aos saltos. A passarinha só amainou as pernitas para andar quando eu lhe expliquei o processo. Temo, camarada Van Zeller, que lhe agrade a medida. Ora tope lá o esquema: eu sou seu empregado, você quer-me despedir, o Estado dá-lhe do meu dinheiro para que você me possa despedir. Portanto, não só vou para a rua como ainda lhe pago para ser despedido. No fundo, faz sentido. É um serviço que me estão a prestar. Ser despedido é agradável, é um serviço público incomparável, é uma reforma antecipada, é meio caminho andado para a boa vida. Jovem, queres um emprego? Trabalha de graça. Jovem, vais ser despedido? Paga para isso. Porque não há-de um cidadão pagar para ser despedido? O desemprego só traz coisas boas. Podemos passar mais tempo a ver televisão, passear junto à falésia, ler o jornal na esplanada do café preferido, apurar as circunferências em torno de anúncios de emprego, piscar o olho às miúdas, lubrificar a imaginação enquanto magicamos mil e uma maneiras de nos suicidarmos. Tudo vantagens. Portanto, estou pronto para pagar à minha entidade patronal para que ela me possa despedir. Até porque cada vez mais se confirma que não haverá regime de excepções para o salário mínimo, continuarei a ganhar menos de 500€ por mês. Um futuro promissor. Os regimes de excepções não são para a gosma, a ralé, a escória, o lumpen. Não senhores. Excepções a quem as trabalha. E mai' nada.
4 comentários:
Excelente texto. Ao nível do blogue, aliás. Na mouche.
Entretanto, não consigo encontrar coisa mais fácil de adivinhar, Van Zeller II (um tal de António Saraiva) já veio dizer que "tem pernas para andar", mas "tem de ser bem avaliada"...
com cuidadinho
para não ferir os pés
Estive até agora a ver o meu (nosso) desgraçado Sporting e pus-me a pensar se o tal fundo para despedimentos também não se pode aplicar a treinadores, directores e quiçá jogadores de futebol. Pode, não pode? E porque não? É que os clubes de futebol hoje são Empresas. Que comédia...
Um tosco reinado por tontos. Eu já disse, estou de sportinguismo "suspendo" enquanto aquilo estiver entregue ao cotonete.
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