segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

BIBLIOTECA PÚBLICA DE LA CIENEGA


Descobri a Biblioteca Pública de La Cienega. Arranjei um cartão. A biblioteca ficava perto da velha igreja da West Adams. Era uma biblioteca muito pequena e só tinha uma bibliotecária. Ela tinha estilo. Tinha perto de 38 anos mas com um cabelo do mais puro branco puxado para trás e preso num totó. O nariz era esguio, tinha olhos verdes profundos e usava óculos sem aros. Parecia que conhecia tudo.
Andei pela biblioteca à procura de livros. Tirei-os das estantes, um a um. Mas eram equívocos. Eram muito aborrecidos. Havia páginas e páginas que não diziam rigorosamente nada. Ou se diziam alguma coisa demoravam muito tempo a dizê-lo e quando o diziam já estava cansado para que importassem alguma coisa. Experimentei um e outro livro. Certamente que, de todos aqueles livros, tinha de existir
um.
Todos os dias eu ia até à biblioteca na Adams com a La Brea e lá estava a minha bibliotecária, inflexível e infalível e silenciosa. Continuava a tirar livros das estantes. O primeiro livro de jeito que encontrei foi de alguém chamado Upton Sinclair. As frases eram simples e falava com raiva. Ele escrevia com raiva. Escreveu sobre os matadouros de Chicago. Dizia as coisas de forma clara e sem artimanhas. Depois encontrei outro autor. Chamava-se Sinclair Lewis. E o livro chamava-se
Main Street. Ele desmontava a hipocrisia inerente às pessoas. Mas faltava-lhe paixão.
Voltei lá para buscar mais. Lia cada livro numa só noite.
Um dia andava por lá à procura, e a espreitar a minha bibliotecária, quando encontrei um livro com o título
Bow Down To Wood and Stone. Bem, aquilo é que era bom, porque era isso que andávamos todos a fazer. Finalmente, algo de jeito! Abri o livro. Era de Josephine Lawrence. Uma mulher. Não havia problema. Aprende-se com toda a gente. Abri o livro. Mas era como muitos outros: pastoso, obscuro, cansativo. Voltei a colocá-lo na estante. E enquanto a minha mão por lá andava agarrei num livro que estava perto. Era de um outro Lawrence. Abri o livro e comecei a ler. Era sobre um homem que tocava piano. Ao início parecia pretensioso. Mas continuei a ler. O homem que tocava piano tinha problemas. A sua mente dizia coisas. Coisas obscuras e curiosas. Cada linha do livro era firme, como um homem a gritar, mas não gritava «Joe, onde estás?» Era mais Joe, onde está tudo? Este Lawrence era certeiro. Nunca tinha ouvido falar dele. Porquê? Por que razão não era publicitado?
Li um livro por dia. Li todos os livros de D.H. Lawrence que havia na biblioteca. A minha bibliotecária começou a olhar para mim de uma maneira estranha enquanto eu registava os livros.
«Como estás hoje?» perguntava.
Soava sempre bem. Parecia que já tinha ido para a cama com ela. Li todos os livros de D.H. A eles seguiram-se outros. Seguiram-se H.D., a poetisa. E Huxley, o mais novo dos Huxleys, amigo de Lawrence. Vieram todos ter comigo. Um livro deu lugar a outro. Dos Passos também apareceu. Não era muito bom, mas era suficientemente bom. A sua trilogia sobre os Estados Unidos demorou mais do que um dia para ler. Dreiser não me encheu as medidas. O Sherwood Anderson, sim. E depois apareceu Hemingway. Que maravilha! Esse sim sabia como escrever uma frase. Era uma alegria. As palavras não aborreciam, punham-me a cabeça a latejar. Se o lêssemos e nos deixássemos levar pela magia, conseguiríamos viver sem dor, com esperança, acontecesse o que acontecesse.


Charles Bukowski, in Ham on Rye – Pão com Fiambre, trad. manuel a. domingos, Ulisseia, Setembro de 2010, pp. 187-189.

Sem comentários: