quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

EMPAREDADA

Natural de Aveiro, onde nasceu em 1979, Joana Serrado publicou o primeiro livro em 2006. Tratado de Botânica (Quasi Edições) merecera uma menção honrosa no Prémio de Poesia Daniel Faria. Livro complexo, denotava um lirismo com vontade de escavar as palavras até à raiz no intuito de satisfazer uma inegável curiosidade pelo poder das imagens. Emparedada / Uit de muur, publicado em 2009, retomou a cultura de uma poesia despreocupadamente só no contexto daquilo que é mais visível entre nós. O barroquismo formal deste livro contrasta com a hegemónica sobriedade da poesia portuguesa dos últimos 15 anos. Publicado em Groningen, cidade neerlandesa para onde a autora foi viver em 2005 na busca de um doutoramento sobre Joana de Jesus, este livro tem, desde logo, a curiosidade de ser bilingue, o que se revela assaz coerente se tivermos em conta os problemas que levanta. Um desses problemas é, claramente, o problema da comunicação. E com ele o das palavras, matéria ambígua com a qual o tradutor (ou o poeta), figura omnipresente neste livro, tem de trabalhar. «Um tradutor deve ser duplo», diz-se no poema inaugural: Uma língua a arder. A condição surge sob a forma imperativa, a duplicidade do tradutor será o garante da (boa) tradução. O desafio é o de pensarmos para lá dos limites da linguagem, como se fosse possível pensar para lá da linguagem. Talvez se encontre aqui escondida uma noção de poesia que importa sublinhar, a poesia como um pensar para lá da linguagem. Trata-se de uma noção distante das escolas que vêm vigorando entre nós, uma distância que não podemos julgar senão voluntária: «Em Portugal é assim. Deus está longe das cabras: não traduz poemas, não pode doar o que exerce. Imagina, ganha nome. Quem esperaria dele que trabalhasse o céu ou devastasse as alimárias?» Os poemas de Emparedada sugerem-nos, então, a afirmação de um não-lugar, fazem da língua a raiz do problema, vão à fonte para daí nos chegarem estilhaçados, vão à raiz achar justificação para o desenraizamento. Sobre eles pesa o cimento de duas línguas: «Como os meus passos se afastam dos teus passos, correndo para longe, longe, / esperando que o mundo seja realmente redondo, e não plano, / e possa, um dia, chegar às tuas costas, tapar os teus olhos e dizer-te / mijn thuisland is niet meer mijn taal». Ou seja: a minha pátria já não é a minha língua. O remate do livro, oferecido em latim, prova o trabalho arqueológico que subjaz à intenção anunciada: «fazer uma casa / de raízes estranhas», «reclamar a minha nova Língua». Não deixa de ser, ao mesmo tempo, um trabalho ambicioso e ousado.

Sem comentários: