Publicada pela Artefacto, editora patrocinada pela Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul, a Agio afirma-se, nas palavras de um dos seus directores, como uma «publicação situada nas margens, mas com o propósito de contribuir, à sua medida, que será sempre definida pelos seus leitores, para a dilatação dessas margens». Tratando-se de uma revista de literatura especialmente inclinada para um género literário, a poesia, subentende-se nas palavras de Paulo Tavares, senão a ambição, pelo menos o desejo de alargar o público da criação poética. Nada a contrapor. No entanto, na nota introdutória deste primeiro número, o mesmo Paulo Tavares afirma que «na génese da Agio não há uma ideia de ruptura ou de inovação a todo o custo». Talvez fosse muito pedir tais custos, mas nunca é demais esperar de uma revista nova a ousadia de, pelo menos, propor algo de novo. E, nesse sentido, apenas nesse sentido, a Agio mostra-se, para já, algo débil e até previsível.
A organização dos conteúdos é claramente convencional. Um primeiro conjunto com poemas de autores da casa (Sara M. Felício, Soledade Santos, Hugo Milhanas Machado, Daniel Francoy, Luís Felício) em ameno convívio com poetas de algum modo reconhecíveis (Miguel-Manso, Nuno Dempster, Margarida Ferra) e outros não tão badalados (João Silveira, Gabriel Machado, Luís Norte Lucas, Adair Carvalhais Júnior e Joel Henriques). Segue-se um conjunto de ensaios (talvez fosse mais adequado chamar artigo ao texto de Jorge Martins Rosa) e, a finalizar, duas entrevistas: a primeira a um dezedor, a segunda a um poeta. Mesmo deixando de lado a estrutura monótona, torna-se evidente que para não ser mais do mesmo a Agio terá de evoluir numa outra direcção, porventura mais destemida e afirmativa. Já vai sendo tempo de aparecer algo com o propósito da novidade e da ruptura.
Havendo diferentes pontos de interesse em cada uma das secções, cabe-nos chamar a atenção para os poemas de Sara M. Felício, dos quais Aos Poucos a Vida é um excelente exemplo de uma poesia ponderada sem o fastio da prostração reflexiva nem o contorcionismo de pueris efeitos irónicos tão em voga na actualidade. De Soledade Santos, Still Life With Cat e Não Sou Paciente são surpreendentes rasgões na sobriedade que caracteriza o tom geral do primeiro livro, Sob os teus pés a terra. Vale a pena citar o primeiro:
STILL LIFE WITH CAT
Passa uma musiquinha triste
na rádio. A gata dorme — o aconchego
da melodia casa vazia
uma cesta e o girassol amarelo
é quanto lhe basta para ser feliz.
Eu não me contento com tão pouco,
um girassol amarelo a musiquinha
uma cesta, tem mais do que eu
a gata, não espera nada e tem
me a mim também.
No campo do ensaio pouco há a reter. O texto de Ricardo Marques, intitulado Realidade, Linguagem e O(u)tras Sentimentalidades, limita-se a revisitar alguma da poesia espanhola do séc. XX sem verdadeiramente fazer aquilo a que se propõe: perceber as ideias, as diferenças e as semelhanças que Espanha e Portugal apresentaram no decorrer do século passado. António Carlos Cortez oferece-nos uma conferência proferida no âmbito do Ciclo Imagem e Pensamento II — Pierre Klossowski e os Poderes da Imagem (29 de Maio de 2010), onde a poesia de Césario Verde é lida à luz da obra pictórica do artista francês. Exercício exegético algo fastidioso, apoiado nos estudos de Helder Macedo, que mais facilmente espanta o público da poesia do que o cativa. Bem diferente é o artigo de Jorge Martins Rosa, chegando inclusive a contrastar com a prosa anterior na sua defesa de uma literatura menosprezada e dita não-erudita, ou escapista, por ainda não ter tido tempo para cair nas graças da academia.
A fechar, as entrevistas. Luís Lucas e Luís Quintais falam dos seus percursos. Um como leitor de poesia, o outro como poeta. A entrevista a Luís Quintais é um momento interessante de argúcia na análise sumária que o poeta faz sobre a actualidade - «Os mais novos parecem-me quase todos iguais» -, assim como uma rara demonstração de sentido autocrítico - «A Imprecisa melancolia, o meu livro de estreia, é um belo livro». E mais não se pode concluir: «A poesia é inútil, como se sabe. Isso agrada-me». Palavra do poeta.
A organização dos conteúdos é claramente convencional. Um primeiro conjunto com poemas de autores da casa (Sara M. Felício, Soledade Santos, Hugo Milhanas Machado, Daniel Francoy, Luís Felício) em ameno convívio com poetas de algum modo reconhecíveis (Miguel-Manso, Nuno Dempster, Margarida Ferra) e outros não tão badalados (João Silveira, Gabriel Machado, Luís Norte Lucas, Adair Carvalhais Júnior e Joel Henriques). Segue-se um conjunto de ensaios (talvez fosse mais adequado chamar artigo ao texto de Jorge Martins Rosa) e, a finalizar, duas entrevistas: a primeira a um dezedor, a segunda a um poeta. Mesmo deixando de lado a estrutura monótona, torna-se evidente que para não ser mais do mesmo a Agio terá de evoluir numa outra direcção, porventura mais destemida e afirmativa. Já vai sendo tempo de aparecer algo com o propósito da novidade e da ruptura.
Havendo diferentes pontos de interesse em cada uma das secções, cabe-nos chamar a atenção para os poemas de Sara M. Felício, dos quais Aos Poucos a Vida é um excelente exemplo de uma poesia ponderada sem o fastio da prostração reflexiva nem o contorcionismo de pueris efeitos irónicos tão em voga na actualidade. De Soledade Santos, Still Life With Cat e Não Sou Paciente são surpreendentes rasgões na sobriedade que caracteriza o tom geral do primeiro livro, Sob os teus pés a terra. Vale a pena citar o primeiro:
STILL LIFE WITH CAT
Passa uma musiquinha triste
na rádio. A gata dorme — o aconchego
da melodia casa vazia
uma cesta e o girassol amarelo
é quanto lhe basta para ser feliz.
Eu não me contento com tão pouco,
um girassol amarelo a musiquinha
uma cesta, tem mais do que eu
a gata, não espera nada e tem
me a mim também.
No campo do ensaio pouco há a reter. O texto de Ricardo Marques, intitulado Realidade, Linguagem e O(u)tras Sentimentalidades, limita-se a revisitar alguma da poesia espanhola do séc. XX sem verdadeiramente fazer aquilo a que se propõe: perceber as ideias, as diferenças e as semelhanças que Espanha e Portugal apresentaram no decorrer do século passado. António Carlos Cortez oferece-nos uma conferência proferida no âmbito do Ciclo Imagem e Pensamento II — Pierre Klossowski e os Poderes da Imagem (29 de Maio de 2010), onde a poesia de Césario Verde é lida à luz da obra pictórica do artista francês. Exercício exegético algo fastidioso, apoiado nos estudos de Helder Macedo, que mais facilmente espanta o público da poesia do que o cativa. Bem diferente é o artigo de Jorge Martins Rosa, chegando inclusive a contrastar com a prosa anterior na sua defesa de uma literatura menosprezada e dita não-erudita, ou escapista, por ainda não ter tido tempo para cair nas graças da academia.
A fechar, as entrevistas. Luís Lucas e Luís Quintais falam dos seus percursos. Um como leitor de poesia, o outro como poeta. A entrevista a Luís Quintais é um momento interessante de argúcia na análise sumária que o poeta faz sobre a actualidade - «Os mais novos parecem-me quase todos iguais» -, assim como uma rara demonstração de sentido autocrítico - «A Imprecisa melancolia, o meu livro de estreia, é um belo livro». E mais não se pode concluir: «A poesia é inútil, como se sabe. Isso agrada-me». Palavra do poeta.
13 comentários:
Henrique, saindo um pouco da nossa postura quanto a comentar este tipo de crítica, gostaríamos de deixar aqui registado que consideramos este texto relativo à Agio superficial, redutor e repleto de anti-corpos que nada têm que ver com aquilo que, supostamente, deveria ser a análise da revista em si.
Superficial concordo, redutor nem por isso, mas repleto de anti-corpos não percebo. Porquê? Acrescente-se que este texto é um post, não pretende analisar nada nem sequer procura ser crítico.
Tive exactamente a mesma sensação quando folheei a revista no meio do "Pó dos livros": mais do mesmo, em tudo. Há que saber escutar. E aprender a escutar (ler).
acho que os juízos sobre o número de qualquer número de revista é sempre tendencialmente precário, o projecto está a começar, nada está ainda definitivamente fixado, muitas coisas são meras experiências. Ainda não li a Agio, embora já a tenha comprado, e acho que eles fizeram o que é mais difícil no nosso infelizmente não lá muito saudável contexto cultural, que é começar uma coisa, pô-la em movimento, a partir daí, veremos como progride.
a maior doença do nosso contexto cultural é a ausência de espírito crítico e a falta de ousadia na afirmação da ruptura.
uma publicação nasceu, alguém a leu e disse o que sentiu. não me parece que possa haver algo de pouco saudável nisso, por outro lado julgo que não é nada saudável esta dificuldade para o debate de ideias que começa precisamente aqui.
no primeiro comentário diz-se que este texto está repleto de anti-corpos. eu não percebi porquê e pedi uma explicação, até porque admiro muito o trabalho do paulo e agora o da sara. não obtive resposta. isso é saudável?
eu não acho que seja de todo pouco saudável, não disse isso... mas porque tem de haver uma ruptura? como podemos nós garantir que na continuidade não existe uma forma de ruptura?
a palavra ruptura aparece aqui por causa da introdução. a negação de uma intenção de ruptura, logo à partida, rouba interesse à publicação. a gente pergunta-se sobre o parta quê de uma nova publicação. mais do mesmo?
as rupturas geram ideias,estimulam novas formas de expressão, as rupturas não negam o passado, libertam-nos dos constrangimentos que o passado nos impõe, tem que haver uma ruptura para que o futuro se posssa afirmar........ veja-se a situação social e política que o país vive neste momento. não é muito diferente.
à segunda questão não respondo porque é uma afirmação. de resto, não me é perceptível: o que é uma forma de ruptura na continuidade? algum exemplo? é mudar do ps para o psd? é fazer mais uma revista para publicar mais uns poemas?
Noto que o Paulo Tavares está a ficar com uns tiques - a-ver-no(s) versos do seu novo livro -, o que é pena porque destes novos poetas era, a par do Cóias, dos que me despertava mais curiosidade.
São estranhas as criaturas deste país onde a hipocrisia é premiada e a frontalidade censurada.
E tu, Henrique, porta-te bem antes que eles metam a fera na rua. Abre, por exemplo, um bar para juntar os teus dez amigos, passa longas noites a discutir a genialidade da auto-publicação e elogio com um tipo que, depois de duas rodadas e uns afagos interiores, trará a público o melhor da puesia portuguesa, e serás feliz.
Ruptura vs continuidade? Mas isto é o debate para a presidência do sporting?
quando falo em formas de ruptura em continuidade o que quero dizer é que há obras que na sua continuidade têm já em si o germe que as condena a terminar. o primeiro exemplo que me ocorre é o que acontece da Ilíada para a Odisseia, que devem distar um quarto de século de distância da outra. depois disso, o mundo que criou aquelas perece e elas com ele. que aristóteles foi discípulo de platão, que estudou com ele vinte anos e é quem o refuta. que miguel torga e régio coexistiram os dois na mesma geração e na mesma revista e é na sua coexistência que está o fim da presença. e por aí fora, poetas dispostos a andar à pancada por metros quadrados sempre houve e haverá, há quem acredite que é aí que nasce a ruptura e até deve haver exemplos mais evidentes do que estes de que agora me lembrei. não acho que toda e cada revista que apareça tenha de vir com o rótulo, em alguns casos algo histérico e definitivamente cada vez mais cliché, de novidade,acho que as maiores e mais sinceras revoluções não se operam with a bang but with a wimper. e que isso é em si bastante radical. Não acredito que alguém publique uma revista só para publicar mais um poema, até porque hoje em dia qualquer tipo publica uns poemas, é só fazer um blogue, graças a deus, e como dizia o comentador acima, com as maravilhas da auto-publicação (e com o fechamento das editoras à publicação de poesia a auto-publicação será cada vez mais a solução) publicar poemas não é de todo difícil, se se fizer questão de ver a coisa em papel. Acredito que a poesia é também, entre muitas coisas, um movimento geracional e que na minha geração, talvez um pouco mais do que na sua, há vozes muito diferentes e muito diversas que deverão e poderão coexistir sem que para isso tenham de pôr tudo a arder. Também sei que alguns reconhecerão mais abertamente os seus maiores do que outros. Se isso é bom ou mau, se será assim ou não, que importa? e acho tão brutalmente enfadonho e redundante que alguém venha dizer que em poesia as coisas devem ser assim ou assado, que a ruptura é que é, ou que o silêncio é que é. acho que essas coisas devem ser como as sentirmos certas, numa forma que para nós funcione. como um respirar, como no título do bobrowski. por vezes o que se escreve num texto de introdução de uma revista, como estou em crer que foi o caso da Agio, está para lá da preocupação com o que vai ser o juízo crítico de um par. escreveu-se assim porque assim se teve de escrever, porque pareceu, acho, certo. que me importa a mim que o futuro se afirme? que coisas se têm afirmado nas literaturas que no passado haviam de ser futuras que não tenha sido mais passado e completamente exposto à sua relação com o passado? foram totalmente originais os românticos, não leram nada do que os precedeu? um dia escreviam em versos e no outro estavam a escrever em quakers? inventaram outra forma que não o verso para escrever os seus poemas? isso seria uma revolução. mas isso ainda não vi... vai escrever o seu próximo livro numa linguagem completamente nova e inventada e vai esquecer tudo o que leu? acho que só assim é que a coisa se faria...
Tatiana, curiosamente, eu julgo que estamos mais de acordo do que em discordância. Permita-me sublinhar isto:
«não acho que toda e cada revista que apareça tenha de vir com o rótulo, em alguns casos algo histérico e definitivamente cada vez mais cliché, de novidade,acho que as maiores e mais sinceras revoluções não se operam with a bang but with a wimper. e que isso é em si bastante radical.»
isso agora teve piada. Saudações cordiais, tatiana.
rui carlos - isso é tudo inveja?
não ficam grandes dúvidas.
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