sábado, 12 de março de 2011

IMPOSSÍVEL




Impossível saber quando adormeceu esse recanto da minha alma
E quando voltará a tomar partido nas minhas festas íntimas
Ou se esse troço partiu para sempre
Ou sequer se foi roubado e se se encontra integrado num outro

Impossível saber se dentro do teu ser a árvore primitiva ainda sente o vento milenário
Se tu recordas o canto da mãe quaternária
E os grandes gritos do teu espanto
E a voz soluçante do oceano que acabava de abrir os olhos
E agitava as mãos e chorava no berço

Não precisamos de tantos horizontes para viver
As cabeças de papoila que devorámos sofrem por nós
A minha amendoeira fala por uma parte de mim mesmo
Eu estou perto e estou longe

Tenho épocas centenárias na minha breve idade
Tenho milhares de léguas no meu ser profundo
Cataclismos da terra acidentes planetários
E algumas estrelas de luto
Lembras-te quando eras um som entre as árvores
E quando eras um pequeno raio vertiginoso?

Agora temos a memória demasiado carregada
As flores das nossas orelhas empalidecem
Às vezes vejo reflexos de penas no meu peito
Não me olhes com tantos fantasmas
Quero dormir quero ouvir novamente as vozes perdidas
Como os cometas que passaram para outros sistemas

Onde estávamos? Em que luz em que silêncio?
Aonde estaremos?
Tantas coisas tantas coisas tantas coisas

Eu sopro para apagar os teus olhos
Lembras-te quando eras um suspiro entre dois ramos?



Vicente Huidobro
La Nación, Buenos Aires, 1932
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