sábado, 12 de março de 2011

O MEU CORAÇÃO NÃO CHEGA PARA TANTO

Estimado Van Zeller, tenho apreciado as múltiplas intervenções do Jel. Ontem ouvi-o citar Milton,Voltaire e mais uns quantos no não-censurado programa do Mário Crespo. Também o ouvi dizer que, embora tivesse vestido a camisola da manifestação dos parvos, não era parvo nenhum, que até estudava umas coisas e sabia outras tantas. A mensagem era: vamos para a rua, deixemos o ódio e o ressentimento em casa, vamos fazer da luta uma alegria e vamos disseminar o amor pelas esquinas da cidade e vamos mudar isto de baixo para cima, vamos partir para um novo paradigma. Pelos vistos, a mensagem colheu. Um grupo de skinheads juntou-se à marcha envergando bandeiras negras. Cito o Público: Questionados pelos jornalistas sobre que movimento representavam, limitaram-se a dizer: "somos nacionalistas”. Este grupo acabou por entrar na coluna da manifestação sem problemas. Ora, o meu coração e a minha capacidade de amar não chega para tanto. É por isso que confesso um problema insanável com os paradigmas apregoados pelo Jel e por outros que usam e abusam do termo. Sempre que ouço a malta dizer paradigma fico arrepiado, penso em Thomas Kuhn, que também não sou parvo nenhum, e convenço-me de que, afinal, estamos em tensão, os paradigmas não passam de meros momentos de descanso na contínua revolução do mundo. Que o novo paradigma seja um protesto pacífico onde ao lado de nacionalistas marcham comunistas e ao lado de comunistas marcham anarquistas e ao lado de anarquistas marcham libertários e ao lado de libertários marcham liberais e ao lado de liberais marcham democratas é coisa bonita de se ver, chega até a ser comovente, mas não me demove de um cepticismo incurável para com as putativas virtudes da humanidade. A mensagem do Jel é positiva, é alegre, vem nos livros de auto-ajuda, não propõe nada que possa vir a sustentar uma sociedade inteira. A vida na cidade é mais complexa do que as legítimas aspirações de cada um dos cidadãos permite prever. Veja-se o estado em que estamos neste preciso momento: um Governo ameaçado pela susceptível e abstracta figura dos mercados toma medidas que toda a gente diz há muito deviam ter sido tomadas. Toda a gente excepto os afectados, que ainda há pouco haviam transformado Medina Carreira num bestseller e estrela de TV, alguém que defende o triplo da austeridade que o Governo está disposto a implementar. Viram-se para onde? Para a ilegitimidade de uma austeridade monocórdica e unilateral. Afinal, são sempre os mesmos a pagar a crise. E são mesmo. O problema é que são esses mesmos que há 36 anos de democracia distribuem responsabilidades de governação por dois partidos de nefelibatas, arrivistas e nepotistas, com homens como Cavaco na cabeça do poder. Portanto, tudo isto mais não é do que a expressão da vergonha que os portugueses deviam sentir sobre si próprios. Contra isto, não há rua, amor, alegria ou luta que valha. Só mesmo uma vaga de gente enraivecida. De preferência sem racistas pelo meio.

2 comentários:

Pedro Góis Nogueira disse...

Nem coração nem estômago, apesar de sentir que o protesto foi bom e valeu a pena pelo menos para os Van Zeller desta vida não subirem tanto a garimpa, espero. Mas estou na mesma completamente céptico em relação "à luta" e não sou de dar para peditórios cínicos. A ver vamos.

hmbf disse...

Sim, valeu a pena. A essa evidência me curvo.