domingo, 29 de maio de 2011

BIUTIFUL




Toda a gente conhece o mistério das baleias mortas: dão à costa, em grande número, sem razão aparente. Há quem garanta tratar-se de uma inexplicável forma de suicídio colectivo. Talvez pretendam morrer em terra, fazer da terra o seu cemitério, como os elefantes regressados, no termo da vida, ao ponto onde todas as manadas se encontram. Da última vez que estive em Barcelona vi por lá alguns desses elefantes. Vendiam produtos contrafeitos em sacos-rede estrategicamente preparados para a fuga. Com os olhos agitados na paisagem ameaçadora, puxavam rapidamente os sacos às costas e desatavam a correr na direcção contrária à da polícia. Quando for para morrer, se houver tempo, regressarão ao cemitério onde nasceram. E o cemitério tanto pode ser o Senegal como a China, terreno fértil em mortos. Por vezes não há tempo para o regresso, arrasta-se o mistério da morte pela vida até que a hora chegue. Se fosses informado de que te restam dois a três meses, o que farias nesses dias de sobra? Provavelmente procurarias evitar os açaimes da existência, tratarias de arrumar a vida para que o corpo pudesse seguir em paz. Não há imagem mais cómica, dizia Lowry, do que a de alguém a fazer a barba a um morto. Não deve haver imagem mais trágica do que a de um morto a tentar arrumar a sua própria vida.

1 comentário:

Sandra R. disse...

Vi-o este sábado... numa indecisão de não saber que filme ver por querer ver vários. ando tão cansada que me arrependi da escolha... só por ser demasiado duro para estes dias. só por isso...