nesta noite neste mundo
as palavras do sonho da infância da morte
nunca é isso o que alguém quer dizer
a língua natal castra
a língua é um órgão de conhecimento
do fracasso de todo o poema
castrado pela sua própria língua
que é o órgão da re-criação
do re-conhecimento
mas não da ressurreição
de algo ao jeito de negação
do meu horizonte de maldoror com seu cão
e nada é promessa
entre o dizível
que equivale a mentir
(tudo o que pode ser dito é mentira)
o resto é silêncio
embora o silêncio não exista
não
as palavras
não fazem amor
fazem ausência
acaso beberei se digo água?
acaso comerei se digo pão?
nesta noite neste mundo
extraordinário silêncio o desta noite
o que se passa com a alma é que não se vê
o que se passa com a mente é que não se vê
o que se passa com o espírito é que não se vê
de onde vem esta conspiração de invisibilidades?
nenhuma palavra é visível
sombras
recintos viscosos onde se oculta
a pedra da loucura
corredores negros
percorri-os todos
oh! fica um pouco mais entre nós!
a minha pessoa está ferida
a minha primeira pessoa do singular
escrevo como alguém alçando uma faca na obscuridade
escrevo como estou a dizer
a sinceridade absoluta continuaria a ser
o impossível
oh! fica um pouco mais entre nós!
os detritos das palavras
desabitando o palácio da linguagem
o conhecimento entre as pernas
que fizeste do dom do sexo?
oh meus mortos
comi-os engasguei-me
não mais posso não poder mais
palavras embuçadas
tudo desliza
até à negra liquefacção
e o cão de maldoror
nesta noite neste mundo
onde tudo é possível
excepto
o poema
falo
sabendo que não se trata disso
nunca se trata disso
oh ajuda-me a escrever o poema mais prescindível
o que não sirva nem para
ser inútil
ajuda-me a escrever palavras
nesta noite neste mundo
Alejandra Pizarnik, in La Gaceta del Fondo de Cultura Económica, México, Nueva Época, n.º 19, Julho de 1972.
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