Alguém encontrou a sua verdadeira voz e testa-a no meio-dia dos mortos. Amigo da cor das cinzas. Nada mais intenso do que o terror de perder a identidade. Este recinto cheio dos meus poemas prova que a menina abandonada numa casa em ruínas sou eu.
Escrevo com a cegueira cruel com que as crianças atiram pedras a uma louca como se fosse um melro. Na realidade não escrevo: abro uma brecha para que até mim chegue, ao crepúsculo, a mensagem de um morto.
E este ofício de escrever. Vejo por espelho, na obscuridade. Pressinto um lugar que ninguém além de mim conhece. Canto das distâncias, escuto vozes de pássaros pintados sobre árvores adornadas como igrejas.
A minha nudez iluminava-te como uma lâmpada. Apertavas o meu corpo para que não fizesse o grande frio da noite, o negro.
As minhas palavras exigem silêncio e espaços abandonados.
Há palavras com mãos; apenas escritas, tomam-me o coração. Há palavras condenadas como lilases na tormenta. Há palavras parecidas com certos mortos, se bem que prefira, entre todas, aquelas que evocam a boneca de uma menina desafortunada.
Alejandra Pizarnik, 23 de Novembro de 1969
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