sexta-feira, 2 de setembro de 2011

O DESEJO DA PALAVRA




A noite, de novo a noite, a magistral sapiência do obscuro, o cálido atrito da morte, um instante de êxtase pessoal, herdeira absoluta do jardim proibido.

Passos e vozes do lado sombrio do jardim. Risos no interior das paredes. Não creias que estão vivos. Não creias que não estão vivos. A qualquer momento a fissura na parede e a debandada súbita das meninas que fui.

Caem meninas de papel de várias cores. As cores falam? As imagens de papel falam? Apenas as douradas falam e não há nenhuma dessas por aqui.

Sigo entre muros que se aproximam, que se juntam. Salmodiava toda a noite até à aurora:
Se não veio é porque não veio. Pergunto. A quem? Disse que pergunta, quer saber a quem pergunta. Tu já não falas com ninguém. Estrangeira, a morte está a morrer-se. Outra é a língua dos moribundos.

Esbanjei o dom de transfigurar os proscritos (sinto-os a respirar dentro das paredes). Impossível narrar o meu dia, a minha via. Porém contempla absolutamente só a nudez destes muros. Nenhuma flor cresce ou crescerá do milagre. Toda a vida a pão e água.

Acerca de uma música jamais ouvida declarei-me no cume da alegria. E daí? Oxalá pudesse viver somente em êxtase, fazendo do meu corpo o corpo do poema, resgatando cada frase com os meus dias e as minhas semanas, infundindo o meu sopro no poema à medida que cada letra de cada palavra fosse sacrificada nas cerimónias do viver
.


Alejandra Pizarnik, El Infierno Musical, 1971.


Versão de HMBF.

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