quarta-feira, 19 de outubro de 2011

ORÁCULO

Camarada Van Zeller, mesmo não o tendo ouvido, devo dizer que gostei muito de escutá-lo. Vem vossa excelência alvitrar que os privados sigam as boas práticas do público e suspendam também eles os subsídios de Natal e de férias. Se calhar disse mal, vossa excelência não alvitrou. Na verdade, limitou-se a oraculizar. Cito: “As empresas, ao preferirem não despedir, podem cortar nos subsídios ou noutras regalias para evitar despedimentos. Não se sabe como é que isto pode ser feito legalmente, mas em 1983 fez-se".

Camarada, sem pretender beliscar a sua sempre sábia perspicácia, proponho alternativas. Como compreenderá, estas alternativas limitam-se apenas a seguir a sua boa axiomática. Por exemplo, as empresas, ao preferirem não despedir, podem optar por uma redistribuição equitativa da riqueza gerada. Não se sabe quando é que isto foi feito, mas estou certo de que a lei o permite.

Realmente, devemos ter em conta que um empregado que aufira o “salário médio nacional”, que é sempre o mínimo ou pouco mais, deve regalar-se todo com os belos dos subsídios de férias e de Natal. Pode, pelo menos, respirar dois meses por ano. Nos 10 restantes resfolega para que administradores, directores e quejandos aufiram não uma, não duas, não três, mas, por vezes, 10 vezes mais do que ele, 14 vezes ao ano.

Não esqueçamos que vivemos num país onde os «20 por cento mais ricos ganham 6,1 vezes mais do que os 20 por cento mais pobres». É bom não perder de vista o sentido da equidade na economia portuguesa. Daí que em vez de andarmos enrolados em algodão de rama, a ver se saramos cicatrizes com água oxigenada e um pouco de pó de talco, talvez não fosse má ideia optarmos por outro tipo de soluções.

Porque é que em vez de cortarmos nos subsídios de Natal e de Férias, não evitamos despedimentos generalizando a toda a gente (incluindo patrões, gestores, directores, administradores) o “salário médio nacional”, ou seja, o mínimo? Era uma medida de canhão! Imaginemos, camarada Van Zeller, vossa excelência e a sua senhora a viverem com 500€ por mês a bem do sacrifício nacional.

São tempos de austeridade aqueles que vivemos, exigem sacrifícios, medidas radicais, extraordinárias. Pois bem, eu ando a sacrificar-me desde que comecei a trabalhar. Para mim sempre foram tempos difíceis. Há anos que a minha vida sofre as consequências das medidas extraordinárias. Se pela economia tudo vale, eu sugiro que valha mesmo tudo. Portanto: 500€ para si e para todos os patrões, para todos os administradores, para todos os gestores, para todos os directores, para todos os ministros, para todos os secretários e sub-secretários e sub-sub-secretários de Estado, para os generais e para os capitães, toda a gente a auferir 500€ por mês até a Moodys e o FMI ficarem satisfeitos e os mercados deixarem de andar perturbadíssimos. Excepto o Américo Amorim, esse é cá dos nossos.

Vale?

1 comentário:

© Maria Manuel disse...

gostei de ler! texto de uma ironia certeira e acutilante -

nunca usufrui de mordomias quaisquer, nem a maior parte de nós. penso que não se justifica que alguns trabalhadores, nomeadamente do estado, as tenham; porque são funcionários do estado os políticos, deputados, ex-deputados, acessores, secretários, gerentes, administradores,... aliás, os políticos, deputados, membros do governo, deviam ter um estatuto profissional e pagar do seu bolso os transportes, a hotelaria, o tlm, o PC e restante material de trabalho; os partidos deviam autofinanciarem-se com a contribuição dos respectivos militantes ou outras por eles encontradas.
e os salários melhor distribuídos, com tecto para o salário minímo e máximo, reduzindo a diferença entre ambos; prémios de mérito e distribuição de lucros, assim como subídios vários, ou cortes e impostos, a haver que seja para todos ou para ninguém, de acordo com a situação financeira do empregador/da empresa.
aceito, no entanto, que os que têm mais responsabilidade, mais horas de trabalho e mais encargos (com gestão, decisões, salários para pagar, despesas de instalação, manutenção, etc)aufiram um salário maior (com tectos convencionados).
... tanto se podia dizer, mas como as coisas estão, também me apetece perguntar aos 'suspeitos do costume': «Vale?»