domingo, 16 de outubro de 2011

CARLOS



Estreado em Cannes na edição de 2010, Carlos recria parte da vida de Ilich Ramírez Sánchez, o famigerado terrorista venezuelano que a imprensa baptizou de Chacal. Filho de um fervoroso marxista, Ilich veio estudar para a Europa após a separação dos pais. Em 1968 ingressou na universidade Patrice Lumumba, em Moscovo, mas acabou por ser expulso. De resto, se há marca de personalidade que o filme sublinha é a extrema indisciplina do visado. A obra de Olivier Assayas escapa aos aspectos convencionais do filme biográfico precisamente por se centrar nos traços psicológicos da sua personagem central, na mesma medida em que procura contrabalançar essa dimensão com as manigâncias sustentadas pelo terrorismo internacional. Daí que o Carlos do filme só interesse a partir de 1973, ano em que se junta à Frente Popular para a Libertação da Palestina. Os contornos que definem a personagem mostram-nos uma figura misteriosa, enigmática, complexa, perdida algures entre um egocentrismo extremo e a mais patológica das convicções políticas. Mulherengo, exibicionista, activista militante. As discussões ideológicas mantidas ao longo do filme apontam precisamente no sentido da construção de um homem que, na base de pretensas convicções, se transforma num perigoso mitómano e num ambicioso mercenário. O romantismo que se espera neste tipo de indivíduos é aqui ultrapassado por uma fria análise dos factos. Na raiz de tudo, o dinheiro, o interesse, a fama, impelem à acção e determinam as consequências. Paralelamente, o mundo político sofre das mesmíssimas patologias. Em nome de bandeiras mais ou menos utópicas, estaqueadas no lamacento e sinistro terreno dos interesses económicos internacionais, cometem-se actos cruéis, alimentam-se intrigas e justificam-se traições. É de admitir, porém, que dentro do próprio Ilich Ramírez Sánchez tivessem existido dúvidas sobre os méritos das “tarefas” perpetradas por Carlos, entre as quais o sequestro dos membros da OPEP em Viena foi apenas um exemplo. São essas dúvidas que oferecem interesse ao filme: terá sido Carlos uma mera peça no intrincado jogo da conspiração universal ou, por outro lado, foi ele mesmo um jogador com causa própria? Terá sido um mero mercenário a troco de interesses pessoais ou um guerreiro com fortes motivos ideológicos? Não nos cabe responder a tais dúvidas, como é óbvio. Cabe-nos apenas desconfiar.

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