As obras de Terrence Malick atiram-me para o vazio. É assim desde Badlands (1973), um filme que tenho gravado numa cassete VHS e que me ajudou a perceber, pela primeira vez, a cobardia subjacente a todas as minhas acções. The Tree of Life (2001) transporta-me para um território místico onde não me sinto nada confortável. A justaposição das relações pai-filho e deus-homem inspira-me mais dúvidas do que convicções. Malick é inteligente, parece querer resolver, ou pelo menos evitar, a separação entre Deus e a Natureza, colocando ambos num só corpo reflectido na mais contemplativa das aventuras visuais que me foram dadas a ver nos últimos anos. Se pelo meio aparece o universo nas suas contínuas metamorfoses, com explosões de magma, dinossauros em queda e estrelas em expansão, apontando-nos o sentido de uma vida mutável e errática, isso quer dizer que Deus não encaixa nas vetustas caracterizações de perfeição e imutabilidade. Essa força que nos transcende e tudo cria, como também tudo destrói, gera no interior dos indivíduos um conflito porventura insanável. O fim do mundo é apenas o princípio do mundo. A questão já não está , pois, em reduzir a existência a uma mera passagem pela Terra determinada pela experiência da morte, mas antes em tentar compreender o mistério da existência a partir da única certeza que a lógica do pensamento nos permite: a vida continua, como sempre continuou, para lá de todas as catástrofes. Vale a pena o sofrimento? É certo que nascemos, vivemos e morremos, mas assim como nós nascemos, vivemos e morremos outros, antes de nós, nasceram, viveram e morreram e outros, depois de nós, nascerão, viverão e morrerão. O vazio está em que a percepção desta realidade interpela-nos sem direito a resposta. Tudo o que possamos pensar, julgar, não passará de uma desinteressante vacuidade perante a força das evidências: somos ínfimos, mais vale cumprirmos essa infimidade na luz pacificadora da única grande lei que está ao nosso alcance, ou seja, a lei do amor. Há ainda a esperança e a fé, mais forte nuns corações do que noutros, sempre sujeitas à gravidade dos conflitos que barram as emoções. Através dos tempos, por entre paisagens ora inóspitas, ora consoladoras, é nestas areias que os homens vão construindo os seus castelos. O pai e o filho que aparecem à sombra desta Árvore são o resumo de um conflito inerente à própria condição humana, esse conflito que a determinada altura da vida nos obriga a optar entre os castelos de areia com que explicamos a vida e definimos a existência ou a enigmática e inexplicável força das emoções que guiam a vontade e o desejo. Não deve ser por acaso que Malick escolheu para pai um músico frustrado convertido em ambicioso homem de negócios. Talvez Deus não seja diferente, viu a sua carreira de músico interrompida pelas necessidades práticas da criação. Eis a explicação para o desconcerto do mundo, somos governados por um pai severo, sem piedade nem misericórdia, que olha para os filhos temendo que eles se transformem naquilo que ele não pôde ser.
domingo, 30 de outubro de 2011
THE TREE OF LIFE
As obras de Terrence Malick atiram-me para o vazio. É assim desde Badlands (1973), um filme que tenho gravado numa cassete VHS e que me ajudou a perceber, pela primeira vez, a cobardia subjacente a todas as minhas acções. The Tree of Life (2001) transporta-me para um território místico onde não me sinto nada confortável. A justaposição das relações pai-filho e deus-homem inspira-me mais dúvidas do que convicções. Malick é inteligente, parece querer resolver, ou pelo menos evitar, a separação entre Deus e a Natureza, colocando ambos num só corpo reflectido na mais contemplativa das aventuras visuais que me foram dadas a ver nos últimos anos. Se pelo meio aparece o universo nas suas contínuas metamorfoses, com explosões de magma, dinossauros em queda e estrelas em expansão, apontando-nos o sentido de uma vida mutável e errática, isso quer dizer que Deus não encaixa nas vetustas caracterizações de perfeição e imutabilidade. Essa força que nos transcende e tudo cria, como também tudo destrói, gera no interior dos indivíduos um conflito porventura insanável. O fim do mundo é apenas o princípio do mundo. A questão já não está , pois, em reduzir a existência a uma mera passagem pela Terra determinada pela experiência da morte, mas antes em tentar compreender o mistério da existência a partir da única certeza que a lógica do pensamento nos permite: a vida continua, como sempre continuou, para lá de todas as catástrofes. Vale a pena o sofrimento? É certo que nascemos, vivemos e morremos, mas assim como nós nascemos, vivemos e morremos outros, antes de nós, nasceram, viveram e morreram e outros, depois de nós, nascerão, viverão e morrerão. O vazio está em que a percepção desta realidade interpela-nos sem direito a resposta. Tudo o que possamos pensar, julgar, não passará de uma desinteressante vacuidade perante a força das evidências: somos ínfimos, mais vale cumprirmos essa infimidade na luz pacificadora da única grande lei que está ao nosso alcance, ou seja, a lei do amor. Há ainda a esperança e a fé, mais forte nuns corações do que noutros, sempre sujeitas à gravidade dos conflitos que barram as emoções. Através dos tempos, por entre paisagens ora inóspitas, ora consoladoras, é nestas areias que os homens vão construindo os seus castelos. O pai e o filho que aparecem à sombra desta Árvore são o resumo de um conflito inerente à própria condição humana, esse conflito que a determinada altura da vida nos obriga a optar entre os castelos de areia com que explicamos a vida e definimos a existência ou a enigmática e inexplicável força das emoções que guiam a vontade e o desejo. Não deve ser por acaso que Malick escolheu para pai um músico frustrado convertido em ambicioso homem de negócios. Talvez Deus não seja diferente, viu a sua carreira de músico interrompida pelas necessidades práticas da criação. Eis a explicação para o desconcerto do mundo, somos governados por um pai severo, sem piedade nem misericórdia, que olha para os filhos temendo que eles se transformem naquilo que ele não pôde ser.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
:)
Não imaginas a dificuldade que tive para perceber o porquê deste filme me ter inquietado tanto. Eu tentei explicar... a mim e aos outros que quiseram saber, mas não consegui, acho.
A tua escrita torna mais claras as sensações essenciais.
Enviar um comentário