sábado, 21 de janeiro de 2012

"SÓ ME SAEM DUQUES"*

"Sempre estranhei o Rui. O seu discurso de agradecimento do Prémio Daniel Faria foi como ele era: "o Daniel Faria estará neste momento honrado por me ter como primeiro vencedor". Afastámo-nos naturalmente, dado o meu estranhamento da sua personalidade. Lamento que aquilo que eu achava ser a arrogância de quem tem toda a certeza do mundo nas suas capacidades, se tenha tragicamente revelado uma enorme insegurança na vida, se as causas da morte se confirmarem. Lamento porque se o tivesse percebido teria agido como editor dele de uma maneira muito diferente. Fica o livro e a tristeza de a vida ter sido como foi."

Esta foi a mensagem que o escritor, poeta, editor, cronista Jorge Reis-Sá achou por bem deixar no Facebook ontem, dia 20 de Janeiro, no dia em que a família e os amigos do Rui Costa lhe prestavam a homenagem devida. Por mais que viva, leia, respire, observe, sinta, jamais conseguirei compreender a cretinice que dá forma a este esterco de gente chamado Jorge Reis-Sá. Como ex-editor do Rui, o Reis-Sá podia ter ido ao funeral. Foi o que fizeram, entre outros e bons amigos, o Rui Manuel Amaral, a Margarida Vale de Gato, o Rui Lage, o André Sebastião, o António Pedro Ribeiro, a Sandra Cruz, a Patrícia Bettencourt... Podia ter mostrado algum pesar, como tantas pessoas fizeram questão de manifestar por essa teia de facebooks e blogs onde parece que vivemos cada vez mais esquecendo-nos de que “a rua é a casa de todos”. Não, preferiu ficar em casa a dar corda a pensamentos mesquinhos. O Jorge sempre estranhou o Rui, eu hei-de sempre estranhar o Jorge. O discurso supracitado foi, de facto, como ele era, um provocador nato, alguém que detestava os formalismos e o conservadorismo da cena literária e procurava romper com isso agindo, provocando, levando o riso a rostos onde só se vê seriedade, pedantismo e presunção. No dia 11 de Dezembro dizia-me o seguinte: «na universidade chamam-me provocador (os profs) /pk mandei umas bocas, pk akilo é elitista e conservador». Era assim o Rui Costa. Provavelmente o Jorge, ao ouvir “as bocas”, deve ter pensado que o Rui se julgava mais importante que o Daniel Faria, poeta que muito admirava. O Jorge é burro, não admira que tivesse pensado assim. Não lhe terá passado pela cabeça que fosse exactamente o contrário, o discurso de alguém que, acreditando na qualidade daquilo que fazia, preferia não se levar demasiado a sério e evitar a “importanticidade” da cena literária portuguesa? O Jorge afirma que se afastou naturalmente, por estranhar a personalidade do Rui. Pode um indivíduo ser editor de livros afastando-se dos escritores por lhes estranhar a personalidade? Meu Deus, há mundo com personalidades mais estranhas do que o mundo da literatura? O Jorge não tem categoria para vender sabonetes, quanto mais para ser editor de alguém. Só num país como o nosso é que se dá guarida a imbecis destes. Imaginem o que seria de Herberto Helder se tivesse apanhado editores como o Reis-Sá, editores que se afastam dos autores porque eles têm personalidades estranhas. No entanto, o editor, afastando-se da personalidade estranha do escritor, não quis afastar-se da personalidade estranha do tradutor. E assim o Rui Costa traduziu para as falidas Edições Quasi livros infantis: O Velhote de Lochnagar, Gordito e os Bombeiros, O que há de errado com o Tim? e Para onde corre a raça Humana? (Maio de 2007), O Snugal-Flijer bebé, Este e aquele em Splat! (Junho de 2007). Portanto, ao afastamento do escritor correspondeu uma aproximação ao tradutor. Mas se isto pouco importa, são águas passadas, o que sobra chega a ser desumano. Os lamentos do Reis-Sá são de uma insensibilidade inqualificável. Convém citar novamente, para que fique bem claro o nojo de gente com que estamos a lidar:

Lamento que aquilo que eu achava ser a arrogância de quem tem toda a certeza do mundo nas suas capacidades, se tenha tragicamente revelado uma enorme insegurança na vida, se as causas da morte se confirmarem. Lamento porque se o tivesse percebido teria agido como editor dele de uma maneira muito diferente. Fica o livro e a tristeza de a vida ter sido como foi.

E quais foram as causas da morte? O Jorge sabe? A polícia sabe? A família sabe? Os amigos sabem? É que eu ando há 15 dias a imaginar cenários e tudo me parece possível: um homem esbarra e cai ao rio, um homem é empurrado para um rio, um homem atira-se ao rio, um homem é atirado ao rio… Porque nenhum destes cenários está provado, cabe questionar o senhor Reis-sá por que razão para ele um dos cenários é mais válido que o outro? Para poder lamentar uma suposta “insegurança na vida”? Partamos do princípio que sim, que o Rui Costa era “inseguro” como terão sido Antero de Quental, Heinrich von Kleist, Emilio Salgari, Manuel Laranjeira, Sara Teasdale, Vachel Lindsay, Mário de Sá-Carneiro, Marina Tsvetaeva, Vladimir Mayakovsky, Sergei Yesenin, Hart Crane, Ernest Hemingway, Arthur Koestler, Cesare Pavese, Antonia Pozzi, Randall Jarrell, John Berryman, Única Zürn, Paul Celan, Maria Ângela Alvim, Anne Sexton, José Agustín Goytisolo, Sylvia Plath, Alejandra Pizarnik, Luis Hernández Camarero, Eduardo Guerra Carneiro, Ana Cristina Cesar, Pedro Casariego Córdoba, David Foster Wallace, entre tantos, tantos outros escritores, músicos, pintores, artistas “inseguros” ou, quiçá, um pouco mais sensíveis do que a maioria e, por isso, diferentes e “estranhos”. Partamos do princípio de que toda esta gente se matou porque era “insegura na vida”. Esqueçamos as causas íntimas, profundas, irreveláveis e imponderáveis que podem levar a uma decisão fatal. Façamos tábua rasa disso tudo e julguemos, como se fôssemos esterco de gente, que um homem só se mata porque é inseguro na vida. Por que razão isso levaria a uma atitude diferente do editor? Porque teria o editor agido de forma diferente? Dúvidas que permanecerão no ar, com a certeza de que, enquanto for vivo, eu só guardarei tristeza por a vida ser como é.


*Expressão utilizada pelo Rui numa conversa mantida no dia 22 de Novembro de 2011.

18 comentários:

MJLF disse...

De facto os comentários deste Jorge são de uma enorme falta de respeito e mau gosto.
Abraço
Maria João

Amélia disse...

O que vale é que não diminuem, antes acrescentam o mérito do Rui.Vozes de burro não chegam ao céu.

Anónimo disse...

Inqualificável Reis-Sá. Agora e sempre.
Sara Monteiro

Anónimo disse...

Um belo texto, de um homem a honrar a memória de um amigo. Vão rareando os "homens", vão rareando "os amigos" e apenas vão ficando as memórias e o restolho neste País. Grata. Isabel Amorim

margarete disse...

isto deixou-me nervosa

Ana disse...

Ora deixa cá ver se percebi: se o Rui Costa tiver morrido devido a um acidente ou tiver sido assassinado, pode continuar o Reis-Sá a julgá-lo arrogante e sem direito a atenção editorial. Se se tiver suicidado, era inseguro e merecia outra atenção do editor, o qual viverá agora com a consciência pesada de, em tempo devido, não ter estendido a sua mão caridosa. Ok.

fallorca disse...

http://edicoes-mortas.blogspot.com/2012/01/hoje-20-de-janeiro-de-2012-dia-do.html

Anónimo disse...

É de referir que entre as dívidas da falida empresa do Reis-Sá, constam ainda as traduções do Rui.

Maria do Rosário Sousa Fardilha disse...

Parabéns e muito obrigada por este texto!

Hugo Xavier disse...

Segundo o que o Rui Costa me disse, o Jorge Reis-Sá ficou a dever-lhe algumas traduções e direitos.

Anónimo disse...

Triste é, sim, existirem acéfalos que andam por esse mundo das artes a fazer sabe-se lá o quê. Nunca alguém tão inferior poderia sequer tentar entender o Rui. O Rui é um Ser Superior, com uma inteligência rara e com plena consciência do seu valor. O Rui deixou a sua marca por onde passou, ninguém lhe era indiferente. O que interessa é que ele está e estará para sempre nas nossas memórias e nos nossos corações. Iolanda

Anónimo disse...

Com verdade e fúria na pena.Como o Rui merece e gostava.
PB

Claudia Sousa Dias disse...

Um ataque destes e ainda mais naquele dia era absolutamente desnecessário. Não reconheço o Jorge. Fiquei desiludida.

csd

manuel a. domingos disse...

se dúvidas havia...

blimunda disse...

deixa, henrique, que, sem sombra de dúvida, desta merda toda o rui haveria de se rir à grande e fazer uma laracha em forma de poema ... a polémica assenta-lhe bem... e eu: eheheheheh... junto-me a ele.

jpt disse...

ixe, homem, e ainda me queixo eu do jogo que me vem à mão. raio de gente que por aí anda

margarida disse...

Há pessoas que têm necessidade de dizer ou escrever qualquer coisa, sobretudo quando a mais digna a atitude é permanecer calado, por respeito, por solidariedade.
Importa referir que é, será sempre, inabalável a minha amizade e admiração pelo Rui.

Anónimo disse...

Tristeza era, do eu querido Rui, ter um editor tão nefasto e abaixo das qualidades do escritor. Em nossa última conversa ele me falou dessa figura. Seria uma atitude mais digna do editor calar-se.