Nascida das cinzas da non nova sed nove, com sede em Nazaré, a Volta d’Mar mantém a tendência heterodoxa. A matriz é a de todo e qualquer projecto erigido em contracultura, sem restrições académicas nem concessões aos circuitos convencionais da distribuição cultural. Haverá mentes iluminadas que subvalorizarão estes projectos, assim como os títulos dados à costa na volta do mar, omitindo, talvez, a persistência e obstinação descentralziadoras que tornam possível todo e qualquer acto de pura poesia. Os primeiros títulos publicados são hibernu (Setembro de 2011), de Luís Paulo Meireles, e pólen (Outubro de 2011), de m. parissy. Do primeiro fizeram-se 100 exemplares numerados e auto-agrafados com desenhos do autor. O segundo junta nove poemas originais a uma pintura única e irrepetível de Catarina Galego, em tiragem de quarenta exemplares singulares como a pessoa humana. Meireles tem percorrido o seu caminho à margem de todo e qualquer reconhecimento. Na nota final que o livro reproduz, Wellitania Oliveira afirma, e bem, que «Luís sintetiza suas emoções por meio de uma linguagem veloz como o pensamento, que surge em meio à tormenta, no conflito dos elementos, num instante de silêncio qual relâmpago que tudo ilumina, mas que rapidamente desaparece». Automatismo ou não, assim parece. Os versos são curtos e a sintaxe informal, não há pontuação, sequer maiúsculas a marcar uma qualquer cadência elíptica, apenas a repetição de alguns vocábulos que nos enviam para paisagens domésticas em espaços geográficos facilmente identificáveis, actuais, a sugerirem uma intimidade nunca totalmente revelada. Um exemplo:
o apartamento é a minha esplanada
tem vista pó mar
a cozinha lavada sem coisas pelo chão
entrou o sol levou um amigo
a casa aonde habito
tem o mar em frente
apetece saltar pela varanda
vejo pelos vidros
o mapa abstrato
vou-me esconder
ao espelho só
isto foi ontem
agora acorda
Em pólen m. parissy convoca uma segunda pessoa para os seus poemas. Tendo em conta a autoria da pintura que acompanha a edição, somos levados a crer numa consanguinidade próxima. Poemas de pai para filha, provavelmente. Permanece a brevidade dos poemas sem pontuação, mas a linguagem é mais acessível por via de uma sintaxe orientada para o discurso. Quem conheça livros anteriores do autor poderá, inclusive, ficar surpreendido com a clareza dos versos e com a luminosidade presente na generalidade dos poemas. A palavra pólen, que acompanha há muito a poesia de m. parissy, surge aqui quase como que decifrada na sua dimensão metafórica, é a semente/origem onde tudo se congrega, a fonte microscópica que liga os seres na sua mais profunda hereditariedade. Vai um dos nove poemas reunidos neste belo caderno:
o mundo vive sem dares por isso
podes ter dedos dentro do prato da sopa
ou a camisa rota
sem ser de propósito
quando as coisas que te rodeiam
estiverem sujas não pares para as limpar
mas pára
quando alguém te pedir ajuda
ou quando tu próprio quiseres
dizer que tal como tu
os outros também vivem no mesmo mundo
deixa que os outros também te abram a porta
Mais informações sobre a Volta d’Mar: aqui.
o apartamento é a minha esplanada
tem vista pó mar
a cozinha lavada sem coisas pelo chão
entrou o sol levou um amigo
a casa aonde habito
tem o mar em frente
apetece saltar pela varanda
vejo pelos vidros
o mapa abstrato
vou-me esconder
ao espelho só
isto foi ontem
agora acorda
Em pólen m. parissy convoca uma segunda pessoa para os seus poemas. Tendo em conta a autoria da pintura que acompanha a edição, somos levados a crer numa consanguinidade próxima. Poemas de pai para filha, provavelmente. Permanece a brevidade dos poemas sem pontuação, mas a linguagem é mais acessível por via de uma sintaxe orientada para o discurso. Quem conheça livros anteriores do autor poderá, inclusive, ficar surpreendido com a clareza dos versos e com a luminosidade presente na generalidade dos poemas. A palavra pólen, que acompanha há muito a poesia de m. parissy, surge aqui quase como que decifrada na sua dimensão metafórica, é a semente/origem onde tudo se congrega, a fonte microscópica que liga os seres na sua mais profunda hereditariedade. Vai um dos nove poemas reunidos neste belo caderno:
o mundo vive sem dares por isso
podes ter dedos dentro do prato da sopa
ou a camisa rota
sem ser de propósito
quando as coisas que te rodeiam
estiverem sujas não pares para as limpar
mas pára
quando alguém te pedir ajuda
ou quando tu próprio quiseres
dizer que tal como tu
os outros também vivem no mesmo mundo
deixa que os outros também te abram a porta
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