terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

TEORIA antiLÍRICA (9. ROCKIN’ IN RHYTHM)*


— Queres alguma coisa do Brasil? (gajas não vale)
— Hmmmm… Deixa lá, só queria mesmo gajas.

15/12/2011






Pudéssemos nós falar da boca para fora, e teriam sido estes os últimos desejos. Palavras frugais, estúpidas como a vida, palavras distantes que ninguém lembraria em circunstâncias normais. Acontece que as circunstâncias normais desmentem a normalidade a todo o momento. Uns dizem que viram burros a andar de bicicleta, outros terão visto lontras em esplanadas da Foz, nós vemos diariamente as rugas nos rostos da gente anónima que passa.

O mundo está tão trocado, moço, que qualquer dia caberá aos homens tentarem o diabo com as suas propostas irrecusáveis. A imortalidade, já se sabe, é uma nota de rodapé na História dos animais, o elixir da eterna juventude vem nos compêndios de química como aquela sombra que se vê da janela… e a omnisciência é uma fada que opera dentro de cada uma das palavras do dicionário. O mundo continua sórdido, deixa lá, com seus deves e haveres, muitas contas por pagar, um frio ameaçador que não passa deste Inverno para maricas.

Talvez gostasses de saber, enquanto te releio os ossos, das flores que têm crescido nos olhos da Matilde. Declama Florbela Espanca, imagina, com a inocência de quem ainda admira o céu e vê uma casa escarrapachada. E a Beatriz? A Beatriz revoluteia o ar com um sono ligeiro. Cá vamos indo, na selva redonda pelo tédio desbravada. De quando em vez mergulho na inteligência das nuvens, mas já não com a mesma paciência de outrora. O cansaço é um retrato que se disfarça na ponta de um cigarro e que se trata com uma taça de vinho.

Em todos nós há uma terceira pessoa a assobiar para o lado, canta durante o duche, dança à hora de ir para cama e anseia por sonhos que metam não muito mais do que fórmulas científicas para a poética da teoria da relatividade. A estrada larga estreita-se à passagem dos homens, o canto cai por terra como água choca e de costas voltadas uns para os outros vamo-nos traindo a nós próprios. Tem dias que parece já não haver paciência para tanta teimosia, passamos pelas feridas uma espécie de mercurocromo enferrujado, damos speed ao nervo das pernas enquanto, sentados, assistimos ao espectáculo do mundo, e tudo fica tão carente de tudo, sem explicação nem poesia, excepto, talvez, este consolo desconsolado de ir acompanhando o crescimento dos filhos sem sonhos pesando sobre os braços.

Eu sei lá, são 23:00 do dia 7 de Fevereiro de 2012. Amanhã, se tudo correr bem, levantar-me-ei às 7:30. Conto trabalhar das 9:00 às 20:00, na pior das hipóteses. Na melhor, ainda invento uns entreténs para me arrastar até às 21h. E depois de amanhã assim será, e depois depois de manhã assim seja; e se tivermos que folgar desta rotina, reste-nos um pouco de imaginação para fazer dos dias favas contadas. Noutros gabinetes cientistas existirão que buscam a cura para males maiores, no gabinete da poesia busca a gente cura para o tédio. Por ele se vive, dele se morre. Feitas as contas, só não te perdoo uma coisa: chegares aos 40 primeiro que eu.




* Teoria Lírica é o título de uma sequência publicada pelo Rui Costa, no Insónia, entre 11/12/2007 e 10/07/2008. São nove textos numerados de 1 a 10. Falta o 9. Intrometi-me na conversa. Os restantes estão aqui:

TEORIA LÍRICA (1. poesia); TEORIA LÍRICA (2. A tradução); TEORIA LÍRICA (3. policial); TEORIA LÍRICA (4. bzana); TEORIA LÍRICA (5. política); teoria lírica (6. DESPORTO); teoria lírica (7.CINCO CANÇÕES DE AMOR E MAIS NADA); teoria lírica (8. CIÊNCIA); teoria lírica (10. FILME MUDO)

4 comentários:

SG disse...

Obrigado Henrique. Entre nos eram 2 dias e um ano de diferença de idade. O ano passado no dia 9 mandou-me uma peça de teatro e este ano, é isso... vou so enviar um projecto que deixou de ser um dialogo para passar a um monologo; um abraço forte ( isto é algo lamechas mas os amigos dos amigos...)

Sandra Cruz disse...

hoje, não é?

bem aventurado o dia em que os dois se atravessaram na minha existência

beijinhos... moço

Claudia Sousa Dias disse...

E não perdoou.

dama disse...

e somos pessoas
e não menores
protegidos pelo parque
nem cobardes a fugir
da transformação
somos guias andando
entre caos e floresta
não desejamos expiar
mas viver percebes
este suporte
desprendido e forte em si
não precisa de elogio
sedução ou aliança
mas obra uma inclinação próxima
e em todos os gabinetes
e relações a dança
e a revolução

(poema encontrado no Emerson, mas podia ser nosso)