terça-feira, 13 de março de 2012

BARRY EGAN




Os filmes de Paul Thomas Anderson são exímios sob vários pontos de vista. Como não gosto de me meter por corredores técnicos, prefiro percorrê-los pelo território narrativo onde as personagens vão desabrochando. Infelizmente nunca consegui ver Sydney (1996), mas guardo impressões fortíssimas de todos os outros. Punch-Drunk Love (2002) talvez seja o menos celebrado dos seus filmes, uma incursão cínica pela comédia romântica com um sentido subversivo irresistível. Estou viciado pela personagem magistralmente interpretada por Adam Sandler, tanto quanto consigo estar pelo mosaico de Magnolia (1999) ou pelo decadentismo paradoxal de Boogie Nights (1997). There Will Be Blood (2007) é do outro mundo, não cabe aqui. Mas Barry Egan cabe, até porque tudo isto se deve a esta personagem. Caiu na minha vida como um piano súbita e inesperadamente abandonado no meio de uma rua. O que há em Barry Egan, o fantasma ao qual Adam Sandler deu corpo, que me atrai tanto? Desconfio que seja a sua manifesta inaptidão sentimental. Vive enclausurado num negócio medíocre, em voluntária solidão, sufocado pelo maternalismo insuportável das irmãs. É um concentrado de emoções pronto a explodir, o que por vezes acontece, em direcções contrárias e por motivos inesperados, com consequências imprevisíveis. Tal como noutras personagens de Anderson o que parece estar em evidência é a dificuldade de direccionar o amor. Não a impossibilidade de amar nem a recusa do amor, mas uma tremenda dificuldade em encontrar os alvos certos para a exteriorização desse sentimento. Talvez se busque nestes quadros algo paranóicos, mas deveras autênticos, uma explicação para o medo enquanto entrave ontológico. De facto, uma pessoa só pode afirmar-se enquanto pessoa que é quando consegue exteriorizar a sua humanidade. E o que acontece no dia-a-dia, independentemente de um hipotético romantismo pacóvio que possa estar implícito nesta constatação, é que a máscara que vestimos para podermos representar o nosso papel quotidiano impede-nos essa nudez terapêutica e condiciona-nos as decisões, impele-nos para uma loucura consentida, transforma-nos em fantoches, barra-nos o desejo, enterra-nos em amarguradas frustrações. O Barry Egan de Punch-Drunk Love é deveras libertador, é a fé que não tenho, um sinal de esperança. Curiosamente deixa-me a pensar na estúpida facilidade com que os indefectíveis da realidade se transformam em fervorosos adeptos das teorias de conspiração, como se essas teorias lhes oferecessem o cibo de ficção que rejeitam sempre que olham para uma pedra e não querem ver o sangue que lhe corre nas veias. Neste caso em que a rebentação amorosa desperta o magma torna-se claro o bom feitio do traje, ou seja, a roupa acaba por cair em absoluta coincidência com o físico que a suporta. Num mundo cada vez mais repleto de cadáveres sabe bem pensar que nem tudo são favas contadas, a qualquer momento podemos ser surpreendidos pelo acaso e ficarmos sem saber onde meter as mãos. Pena que aconteça tão pouco. Pena que quando acontece seja tão efémera a emoção.

1 comentário:

Sujeito Oculto disse...

Gostei de tudo o que vi do Paul Thomas Anderson, especialmente de Boogie Nights. Vou seguir a recomendação.

Estou de volta.