Canso-me com facilidade das pessoas que não conheço. Nem chego a cometer a imprudência de formar uma ideia sobre elas, esforço ingrato que, acredito, redunda invariavelmente em arrependimento. Neste tipo de matérias sou bastante intuitivo. E como não alimento qualquer desejo de proximidade mantenho-me onde sempre estive e de onde nunca pretendi sair, ou seja, na sombra. De resto, parece-me ser lugar abrigado e protegido. É verdade que tenho andado com pedras no bolso contra o mau-olhado, algo que se me afigura absolutamente ridículo por não entender como pode algo ou alguém atingir-me com o mortal quebranto. Confesso, porém, uma fé paradoxal. Acho que sou vítima do meu próprio mau-olhado. Isto é, olho-me à distância e, no íntimo, há em mim um qualquer ímpeto narcisista que me leva a ter inveja de mim próprio. Ou então sou um prestidigitador. A verdade é que o mundo é pequeno. A vida das pessoas cruza-se em lugares impensáveis. Ninguém suspeita que nas esquinas do tempo um facto encontra outro facto, duas existências supostamente distantes aproximam-se em pormenores quase irrelevantes. Quando menos esperamos, temos no ombro a mão de um desconhecido. É como se pesasse sobre nós toda uma fantasmagoria de afectos. Talvez exista em todas as vidas um momento em que a verdade nos cai em cima deixando-nos petrificados, atónitos, mudos, sem palavras, submersos em pensamentos, memórias, conjecturas, presunções que parecem não ter outra saída senão aquela que se surge como a mais evidente: não valemos nada, e por isso é tão importante não desperdiçar um segundo só de beleza. Nos filmes de Paul Thomas Anderson esta, digamos, debilidade ontológica é explorada no limite das situações. Veja-se, a título de exemplo, o menino-prodígio convertido em adulto falhado ou o nerd apaixonado de Punch-Drunk Love. Magnolia está cheio deste tipo de coisas, gente perdida no labirinto mítico da realidade que apenas acorda para uma verdade essencial, sem mentiras, nem disfarces, nem maquilhagens, após uma improvável, surreal e extraordinária chuva de sapos. É esta espécie de fé no inverosímil que faz de Anderson um realizador ímpar, muito possivelmente o mais autêntico e genuíno de todos quantos surgiram nos últimos 15/20 anos. O seu cinismo é a medida de todas as coisas, mas de um modo tão consciente que nos deixa a questionar o sentido da mensurabilidade.
segunda-feira, 12 de março de 2012
UMA CHUVA DE SAPOS E UM PIANO ABANDONADO
Canso-me com facilidade das pessoas que não conheço. Nem chego a cometer a imprudência de formar uma ideia sobre elas, esforço ingrato que, acredito, redunda invariavelmente em arrependimento. Neste tipo de matérias sou bastante intuitivo. E como não alimento qualquer desejo de proximidade mantenho-me onde sempre estive e de onde nunca pretendi sair, ou seja, na sombra. De resto, parece-me ser lugar abrigado e protegido. É verdade que tenho andado com pedras no bolso contra o mau-olhado, algo que se me afigura absolutamente ridículo por não entender como pode algo ou alguém atingir-me com o mortal quebranto. Confesso, porém, uma fé paradoxal. Acho que sou vítima do meu próprio mau-olhado. Isto é, olho-me à distância e, no íntimo, há em mim um qualquer ímpeto narcisista que me leva a ter inveja de mim próprio. Ou então sou um prestidigitador. A verdade é que o mundo é pequeno. A vida das pessoas cruza-se em lugares impensáveis. Ninguém suspeita que nas esquinas do tempo um facto encontra outro facto, duas existências supostamente distantes aproximam-se em pormenores quase irrelevantes. Quando menos esperamos, temos no ombro a mão de um desconhecido. É como se pesasse sobre nós toda uma fantasmagoria de afectos. Talvez exista em todas as vidas um momento em que a verdade nos cai em cima deixando-nos petrificados, atónitos, mudos, sem palavras, submersos em pensamentos, memórias, conjecturas, presunções que parecem não ter outra saída senão aquela que se surge como a mais evidente: não valemos nada, e por isso é tão importante não desperdiçar um segundo só de beleza. Nos filmes de Paul Thomas Anderson esta, digamos, debilidade ontológica é explorada no limite das situações. Veja-se, a título de exemplo, o menino-prodígio convertido em adulto falhado ou o nerd apaixonado de Punch-Drunk Love. Magnolia está cheio deste tipo de coisas, gente perdida no labirinto mítico da realidade que apenas acorda para uma verdade essencial, sem mentiras, nem disfarces, nem maquilhagens, após uma improvável, surreal e extraordinária chuva de sapos. É esta espécie de fé no inverosímil que faz de Anderson um realizador ímpar, muito possivelmente o mais autêntico e genuíno de todos quantos surgiram nos últimos 15/20 anos. O seu cinismo é a medida de todas as coisas, mas de um modo tão consciente que nos deixa a questionar o sentido da mensurabilidade.
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3 comentários:
:))
(e o mundo nas Caldas ainda fica mais pequeno)
"Ninguém suspeita que nas esquinas do tempo um facto encontra outro facto, duas existências supostamente distantes aproximam-se em pormenores quase irrelevantes. Quando menos esperamos, temos no ombro a mão de um desconhecido", rendida. E este labirinto pode trazer coisas boas, se soubermos fazer a triagem. beijos
A vida não é fácil...
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