domingo, 6 de maio de 2012

BADLANDS




Terrence Malick (n. 1943) estreou-se nas longas-metragens com Badlands (1973), um filme cuja história foi baseada no caso verídico do serial killer Charles Starkweather (está disponível um documentário no YouTube sobre este caso, aqui e aqui). O título do filme, que remete para as terras baldias, áridas e inóspitas, da América do Norte, terá algo de metafórico. Apesar da paisagem natural que serve de cenário à acção ser outra, a paisagem humana revela-se igualmente árida e inóspita. A inclinação de Malick para as reflexões sobre o papel/lugar do homem na Natureza mostra-se já neste primeiro filme, embora ainda de um modo implícito. De resto, é provável que o interesse tenha na sua origem as influências de um pai geólogo e da formação filosófica levada a cabo em Harvard.

Seja como for, Badlands é um filme que pode ser visto sob várias perspectivas. No centro das atenções encontramos um casal peculiar que serviu para catapultar as carreiras de dois excelentes actores, Martin Sheen (Kit) e Sissy Spacek (Holly). Ele é um tipo desassossegado com espírito aventureiro, aspecto decalcado de James Dean, vítima da rotina imposta pelo ambiente social da pequena cidade do Dakota do Sul onde reside; ela é uma jovem adolescente que vive sozinha com um pai superprotector. Encontram-se, apaixonam-se e, por força das circunstâncias, põem-se em fuga deixando por onde passam um rasto de vários crimes sangrentos.

Malick não parece muito interessado em explorar a culpabilidade de ambos nos crimes cometidos ou a possível inocência da jovem rapariga, vítima de uma paixão funesta e da má influência sobre si exercida. O filme não tece juízos morais sobre as personagens e esse é, como em todas as grandes obras, um dos seus maiores méritos. Há, sem dúvida, uma relação de influência entre ambos, mas ninguém pode afirmar com certeza o maior ou menor grau de influência de uma das partes sobre a outra. A ingenuidade de Holly não contrasta com um certo vedetismo de Kit, são ambos produto de uma realidade que facilmente aliena o espírito humano.

O que se torna evidente é a necessidade de fuga que os aproxima e une, a busca de um mundo alternativo àquele que os gerou. O retiro para um cenário idílico, no meio da natureza, com uma casa construída numa árvore, permite-nos perceber isso mesmo. Podemos inclusive ir mais longe. Se repararmos, as únicas pessoas que o casal não assassina ao longo da fuga são, precisamente, aquelas que cedem, respeitam, aceitam as suas vontades. Todos os crimes cometidos surgem de um conflito que impede a vontade e ameaça a concretização de um sonho. Primeiro o pai de Holly, que os não quer ver juntos, depois os homens que se preparam para invadir-lhes o espaço na floresta, depois um ex-colega de Kit que tenta denunciá-los…

Que Holly não compreenda por que motivo Kit se entregou, interrompendo a fuga quando podia continuá-la sozinho, oferece ainda mais consistência a esta ideia paradoxal de duas pessoas que em busca de um paraíso particular causam um inferno geral. É como se a felicidade, esse ponto em que a vontade deixa de encontrar obstáculos à concretização dos seus sonhos, não fosse possível senão em completo isolamento social, na solidão que se procura fora do mundo ou, se preferirmos, no interior do seu e de mais ninguém universo.

O casal de Badlands é impossível por não haver território onde possa vingar. A normalidade que os rejeita socialmente impele-os para a loucura, oferecendo-lhes alguns bons momentos no meio da Natureza. A maioria nem isso almeja, suicidando-se diariamente entre quatro paredes e recusando-se a viver sem o consentimento dos outros. Não podemos admirar a dupla Kit & Holly, sob pena de nos tornarmos cúmplices dos seus crimes, mas, e nestas coisas há sempre um mas, partindo do seu exemplo, podemo-nos questionar acerca dos crimes que, também nós, cometemos contra nós próprios ao impedirmo-nos de lograr durante uma vida inteira pelo menos um momento de pura liberdade.

3 comentários:

maria disse...

interessante...eu não sei se esse momento de pura liberdade existe. mas que podemos fazer, sempre mais, para nos libertamos de algumas prisões (as interiores são as piores), podemos.

hmbf disse...

Viva! E eu acho que o filme é, precisamente, também e sobretudo, sobre isso. O tipo antes de ser um serial killer é um entediado da vida, inadaptado, é certo, mas muito por culpa de quem lhe nega a cigarrada no intervalo da recolha do lixo. É curioso, porque todos os filmes do Malick têm personagens destas. O casal burlão de Days os Heaven não é diferente, assim como o desertor de Thin Red Line. Lá irei :-)))

maria disse...

te aguardo! :))) estou a gostar da série.