Terrence Malick (n. 1943) estreou-se nas longas-metragens com Badlands (1973), um filme cuja história foi baseada no caso verídico do serial killer Charles Starkweather (está disponível um documentário no YouTube sobre este caso, aqui e aqui). O título do filme, que remete para as terras baldias, áridas e inóspitas, da América do Norte, terá algo de metafórico. Apesar da paisagem natural que serve de cenário à acção ser outra, a paisagem humana revela-se igualmente árida e inóspita. A inclinação de Malick para as reflexões sobre o papel/lugar do homem na Natureza mostra-se já neste primeiro filme, embora ainda de um modo implícito. De resto, é provável que o interesse tenha na sua origem as influências de um pai geólogo e da formação filosófica levada a cabo em Harvard.
Seja como for, Badlands é um filme que pode ser visto sob várias perspectivas. No centro das atenções encontramos um casal peculiar que serviu para catapultar as carreiras de dois excelentes actores, Martin Sheen (Kit) e Sissy Spacek (Holly). Ele é um tipo desassossegado com espírito aventureiro, aspecto decalcado de James Dean, vítima da rotina imposta pelo ambiente social da pequena cidade do Dakota do Sul onde reside; ela é uma jovem adolescente que vive sozinha com um pai superprotector. Encontram-se, apaixonam-se e, por força das circunstâncias, põem-se em fuga deixando por onde passam um rasto de vários crimes sangrentos.
Malick não parece muito interessado em explorar a culpabilidade de ambos nos crimes cometidos ou a possível inocência da jovem rapariga, vítima de uma paixão funesta e da má influência sobre si exercida. O filme não tece juízos morais sobre as personagens e esse é, como em todas as grandes obras, um dos seus maiores méritos. Há, sem dúvida, uma relação de influência entre ambos, mas ninguém pode afirmar com certeza o maior ou menor grau de influência de uma das partes sobre a outra. A ingenuidade de Holly não contrasta com um certo vedetismo de Kit, são ambos produto de uma realidade que facilmente aliena o espírito humano.
O que se torna evidente é a necessidade de fuga que os aproxima e une, a busca de um mundo alternativo àquele que os gerou. O retiro para um cenário idílico, no meio da natureza, com uma casa construída numa árvore, permite-nos perceber isso mesmo. Podemos inclusive ir mais longe. Se repararmos, as únicas pessoas que o casal não assassina ao longo da fuga são, precisamente, aquelas que cedem, respeitam, aceitam as suas vontades. Todos os crimes cometidos surgem de um conflito que impede a vontade e ameaça a concretização de um sonho. Primeiro o pai de Holly, que os não quer ver juntos, depois os homens que se preparam para invadir-lhes o espaço na floresta, depois um ex-colega de Kit que tenta denunciá-los…
Que Holly não compreenda por que motivo Kit se entregou, interrompendo a fuga quando podia continuá-la sozinho, oferece ainda mais consistência a esta ideia paradoxal de duas pessoas que em busca de um paraíso particular causam um inferno geral. É como se a felicidade, esse ponto em que a vontade deixa de encontrar obstáculos à concretização dos seus sonhos, não fosse possível senão em completo isolamento social, na solidão que se procura fora do mundo ou, se preferirmos, no interior do seu e de mais ninguém universo.
O casal de Badlands é impossível por não haver território onde possa vingar. A normalidade que os rejeita socialmente impele-os para a loucura, oferecendo-lhes alguns bons momentos no meio da Natureza. A maioria nem isso almeja, suicidando-se diariamente entre quatro paredes e recusando-se a viver sem o consentimento dos outros. Não podemos admirar a dupla Kit & Holly, sob pena de nos tornarmos cúmplices dos seus crimes, mas, e nestas coisas há sempre um mas, partindo do seu exemplo, podemo-nos questionar acerca dos crimes que, também nós, cometemos contra nós próprios ao impedirmo-nos de lograr durante uma vida inteira pelo menos um momento de pura liberdade.
3 comentários:
interessante...eu não sei se esse momento de pura liberdade existe. mas que podemos fazer, sempre mais, para nos libertamos de algumas prisões (as interiores são as piores), podemos.
Viva! E eu acho que o filme é, precisamente, também e sobretudo, sobre isso. O tipo antes de ser um serial killer é um entediado da vida, inadaptado, é certo, mas muito por culpa de quem lhe nega a cigarrada no intervalo da recolha do lixo. É curioso, porque todos os filmes do Malick têm personagens destas. O casal burlão de Days os Heaven não é diferente, assim como o desertor de Thin Red Line. Lá irei :-)))
te aguardo! :))) estou a gostar da série.
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