Ao longo dos últimos 9 anos, não foram poucos os autores que me contactaram na sequência de textos que escrevi sobre os seus livros. O Amadeu Baptista foi um deles, depois desta prosa sobre Negrume. Não nos conhecíamos, nem sequer podíamos dizer que tivéssemos amigos em comum. Acabámos por nos conhecer, mais tarde, com o Rui Almeida a servir de intermediário. A história foi contada aqui. O curioso é que eu não tinha boa impressão do Amadeu Baptista, muito por culpa de um artigo publicado na revista Apeadeiro (n.ºs 4 e 5, Inverno de 2004) em reacção a uma crítica assinada por Pedro Mexia. Além do Amadeu Baptista, subscreviam o artigo, intitulado Crítica Pop-Corn ou o Al-Shaaf Lusíada, José Emílio-Nelson e Luís Adriano Carlos. Como aquilo resvalava para o ataque pessoal, misturava alhos com bugalhos e tinha a infelicidade de ser uma reacção a um texto crítico em particular, fiquei a modos que desconfiado da boa intenção por detrás do texto. Ora, os textos sugerem impressões a partir das quais nós construímos imagens. É sinal de maturidade, parece-me, resistir à tentação de formar uma imagem sobre um autor a partir daquilo que ele escreve. Se ambos não vivem um sem o outro, mentira não será que essa relação se manifesta frequentemente de um modo conflituoso. Daí que grande parte do que escrevemos não reflecte exactamente o que somos, mas apenas aspectos da nossa personalidade vindos à tona em ocasiões particulares. Todas as pessoas são, paradoxalmente, complexas e entediantes, vivem os mesmos anseios com maior ou menor intensidade e fazem com as suas experiências matéria de aprendizagem ou lixo reciclável. Esforço-me por adoptar a primeira das atitudes. Por isso me distancio dos homens e aproximo dos textos, não pretendo tanto cultivar os primeiros como faço questão de me cultivar com os segundos. Há quem me leve a mal por isso, talvez por não pensar como eu. Celebrem-se, então, 30 anos de textos:
APONTAMENTO, ENTRE AS PÁGINAS DE UM LIVRO DE JORGE DE SENA
Bem mais que a expressão do inefável
seja a expressão do amor a poesia.
Mais longe ainda que o silêncio denso
onde tudo se amplia e se concentra,
seja o amor a expressão mais simples
do que se escreve e passa para o mundo
como mais nítida transparência entre os sinais
que nos entregaram um dia e soubemos
guardar inexoravelmente. Pode o vazio
vir despedaçar-nos, encher-se o coração
de solidão, enegrecer-se a alma
de não haver sentido, desesperar-se
o espírito por não ouvir o anjo,
seja a expressão do amor a poesia.
Onde quer que estejamos há-de estar o indizível,
mas menos insondável há-de ser o nosso nome
se entre o infinito em que estivermos
for a expressão do amor a poesia.
Bem mais que a expressão do inefável
seja a expressão do amor a poesia.
Amadeu Baptista, in Antecedentes Criminais – Antologia Pessoal 1982-2007, Quasi Edições, Abril de 2007, p. 45.
1 comentário:
Concordo totalmente!(quantas decepções não temos quando conhecemos o autor de determinada obra...)
ps: ainda bem que o Herberto Helder se mantém "refugiado".
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