Durante anos, foram-me falando de um tempo de gente sentenciada. A filho de pobre que pretendesse escapar à rudeza do campo, restava uma de duas soluções: ou ia para padre ou seguia a carreira militar. Como não sou filho de militares, muito menos de padres, aprendi a reconhecer o mérito do sofrimento imposto pelo trabalho das terras. Os meus pais cavaram, mas não se ficaram de enxada na mão. Como muitos, soaram as estopinhas por um negócio que lhes exigiu a vida inteira. Hoje o discurso é outro, as soluções padre ou sargento afunilaram no sentido de uma mesma constatação: jovem que tenha vontade de singrar, não terá hipótese alguma. É impossível, tendo o comércio sido asfixiado pelos galifões das grandes superfícies e pelos tiranos da fiscalidade. Um dia iremos acordar para o Inferno, e veremos como esses galifões andam a explorar não só quem empregam mas também quem os abastece. Dando cabo da economia com a mais estúpida da complacência generalizada. Mesmo assim, esperam os nossos políticos, completamente alheados da realidade sufocantemente burocrática por eles arquitectada, vivendo num mundo de gabinetes que é só deles e de mais ninguém, esperam esses promotores do optimismo aquilo a que chamam iniciativas e empreendedorismo, esperam mais produtividade, como se a produtividade se resolvesse com uns minutos de serviço grátis e menores remunerações mensais. Os trabalhadores permitem ser tratados de colaboradores e é no que dá. Por aqui, todos os dias me cruzo com vários jovens empreendedores. Ele é o arrumador de carros, de jornal enrolado na mão, apontando para os buracos que lhe garantirão, com boa vontade, uma moedita para a jola. Mais acima, junto ao cemitério, uma puta que mal se consegue distinguir de um cadáver ambulante. Ataca perto da mansão universal, porventura buscando nos mortos o conforto que não encontra nos vivos. E ainda há pouco, enquanto fumava o cigarrito da praxe, lá chegou outro jovem empreendedor aos cinzeiros do Centro Comercial. Vazou as beatas e escolheu, meticulosamente, com uma sabedoria economicista invejável, as que lhe poderão ser úteis em investimentos insondáveis. Três exemplos de jovens empreendedores, num só dia e numa pequena cidade, aos quais se chega facilmente: andando a pé pelas ruas, observando, abrindo os olhos. Tivessem ido para padres, ela para freira, e ainda chegariam a capitães. Ou mordomos, na pior das hipóteses.
Sem comentários:
Enviar um comentário