sexta-feira, 1 de junho de 2012

ÉRAMOS FELIZES E NÃO SABÍAMOS

Depois de se estrear no mais nobre dos géneros literários com Última Paragem, Massamá (2011), Pedro Vieira, que nada tem que ver com o homónimo autor de livros para transformar os desafios da vida em oportunidades de crescimento, aventura-se no reino da crónica. No entanto, estas crónicas têm uma particularidade: foram escritas para serem vistas e ouvidas. Acompanhadas pelos desenhos do autor, deram corpo à rubrica irmaolucia, exibida no Canal Q. São, por essa razão, textos contaminados pelas exigências da leitura em alta voz, o que pode produzir consequências desagradáveis em quem os pretenda ler, agora, no silêncio, no sossego e na paz de uma casa portuguesa. Na sua estrutura, apresentam defeitos porventura inultrapassáveis. Pedro Vieira usa e abusa de muletas da linguagem como «e por falar em» ou a interjeição «adiante», não resiste ao efeito coloquial de um «vá», repete várias vezes expressões irritantes como «aqui há atrasado». Uma outra fraqueza destes textos estará relacionada com o terem sido escritos para um hipotético público-alvo, o do programa onde eram lidos, o qual não terá de ser exactamente igual ao público do livro. Muitas piadas têm na sua raiz um lisboetismo não tão comum quanto possa julgar quem vive na capital. Nem toda a gente associa de imediato o Parque Eduardo VII à pedofilia, o Conde Redondo à prostituição ou a Costa de Caparica à imigração brasileira. Embora devesse, a bem da informação. Ainda assim, Éramos Felizes e Não Sabíamos é um bom cartão de visita para a silly season, a qual, em terras lusas, estende-se pelo ano inteiro teimando em não dar descanso a humoristas, cómicos, sátiros e histriões. A pena de Vieira encontra assunto com facilidade, o autor mostra-se atento aos boatos e às cenas mundanas, colecciona episódios caricatos da vida pública, gosta de disparar contra as forças do poder, sejam elas políticos ou a Santa Madre Igreja. Não sendo exactamente um cronista de costumes, desfaz mitos com uma ironia inteligente e afinada. Por vezes opta por um humor anedótico — «A notícia caiu com tal estrondo que até a Vénus de Milo bateu palmas» (p. 23) —, noutras ocasiões, muitas, inclina-se para a heterodoxia. Mas o humor de Pedro Vieira torna-se verdadeiramente interessante quando ousa pisar o risco do bom gosto e adopta uma postura corrosiva e negra. Leiam-se crónicas como Bom Rapaz, Sério, Trabalhador (sobre o famigerado homicídio de Carlos Castro) ou Bater Recordes (sobre violência doméstica) para percebermos que nem tudo aqui é leveza e galhofa. Ou ainda alguns momentos onde o facto abordado, por si só cómico, inspira aforismos de guerrilha que não desagradaria ver por aí espalhados em graffiti nas paredes de um Portugal emparedado. Bom exemplo é o remate da sátira intitulada Pentelhos: «Caros compatriotas, resta-nos uma de duas soluções: ou rapamos ou desinfectamos. Agora é escolher» (p. 91). Infelizmente, muitos compatriotas ainda não terão chegado a tão certeira conclusão, preferindo manter no poder as mesmas figuras que há décadas vão contribuindo para que os taxistas estejam cheios de razão. Não deixa de ser algo deprimente, pelas razões apontadas, terminar a leitura de um livro destes com a sensação de que andamos há demasiado tempo a coleccionar os mesmos cromos da mesma caderneta. Só um cenário tão pobre permite que em Novembro de 2011 alguém possa escrever uma crónica lembrando que «o cavaquismo não foi só o berço de homens impolutos como Duarte Lima, Dias Loureiro e Oliveira e Costa; foi também uma espécie de caldo de cultura muito favorável à actuação das polícias de choque e dos seus cães amestrados» (p. 139). Uma última nota: a deputada com penteado ao melhor estilo Vileda, eleita para Presidente da Assembleia da República, foi Assunção Esteves, e não Cristas, como se afirma a páginas 103. Basta olhar-lhes para a cabeça para percebermos a diferença. Ou talvez não.

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