domingo, 12 de agosto de 2012

TERRAS DO PÓ, 2011 (CASA ERMELINDA FREITAS, FERNANDO PÓ)

Não saber o que trago dentro de mim, nem o que deixei perdido pelo caminho. Olhar o arraial onde não estive a noite passada e rever todos os arraiais onde alguma vez estive. Porque os dias repetem-se e com eles as mesmas sombras deixam no pó marcas de solas imaginárias. Deito o corpo no sofá, vejo um filme, folheio um livro. Estranha companhia, vertida no cálice. Para quê sair de casa? Os rios podiam até não ter secado, o açude podia manter a mesma vida de outrora, o lixo, o entulho, as silvas, as árvores caídas podiam nunca ter acontecido, os caminhos podiam não ter sido barrados e à volta das casas podiam os muros nunca ter sido erguidos. Mas em toda a paisagem encontramos pessoas, as mesmas pessoas de sempre, pessoas cuja companhia jamais será tão enriquecedora como o vinho vertido no cálice. Porque dentro delas a poluição ganha forma, materializando-se depois na paisagem desleixada onde nunca devíamos ter regressado. As pessoas transportam dentro delas a poluição do mundo. As estações passam, as épocas recomeçam, as pessoas não mudam, permanecem ácidas como o pó. Desprezíveis.

3 comentários:

alexandra g. disse...

Gosto mais quando materializa estas impressões da derrota na Imaginação de Van Zeller. Quando verte nele o vinagre que nos querem forçar a beber mas um lampejo transformador não deixa.

Gosto mais quando é irónico e a sua força é a mesma que tem um copo de bom vinho.

Lembre-se dos seus netos :)

alexandra g. disse...

«Cale-se e ouça.»

Só para o caso de ter esquecido, como diria o Whitman, who sang the body electric.

hmbf disse...

os meus netos 'tão velhos