Rogil, Aljezur. 2012.
«Sabes o que gostava de ser? - disse eu. - Sabes o que gostava de ser? Quer dizer, se tivesse a merda de uma escolha?»
- O que era? E pára de dizer palavrões.
- Conheces aquela canção «Se alguém apanha alguém que atravessa o centeio? O que eu gostava...
- É «Se alguém encontra alguém que atravessa o centeio!» - disse a miúda Phoebe. - É uma poesia. Do Robert Burns.
- Bem sei que é uma poesia do Robert Burns.
Mas ela tinha razão. É mesmo «Se alguém encontra alguém que atravessa o centeio!» Mas naquele momento eu não o sabia.
- Pensei que era «Se alguém apanha alguém» - disse eu. - Mas enfim, ponho-me a imaginar uma data de miuditos a brincar a um jogo qualquer num grande campo de centeio e tal. Milhares de miuditos, e ninguém por perto, ninguém crescido, quero eu dizer, a não ser eu. E eu fico ali na borda de um abismo lixado. E o que eu tenho de fazer é ficar à espera no centeio e apanhar todos os que desatarem a correr para o abismo... Quer dizer, se vão a correr e não vêem para onde vão, eu tenho de saltar de um lado qualquer e de os apanhar. Era só isso que fazia o dia inteiro. Só estar ali à espera, a apanhar os miúdos no centeio e tal. Eu sei que é uma coisa maluca, mas é a única coisa que eu gostava de ser. Bem sei que é uma coisa maluca.
J. D. Salinger, in À Espera no Centeio, trad. José Lima, Difel, 2ª edição, Março de 2010, pp. 186-187.
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