segunda-feira, 17 de setembro de 2012

JOSÉ & FLORENCE

No decorrer da estadia madrilena, José Moreno Villa (1887-1955) permaneceu na Residencia de Estudiantes enquanto director da Biblioteca da Faculdade de Farmácia. Foi aí que se tornou numa espécie de tutor de jovens vanguardistas tais como Luis Buñuel, García Lorca ou Salvador Dalí. Em 1927, quando era director da revista Arquitectura e colaborador do El Sol, conheceu e apaixonou-se por uma jovem americana chamada Florence. Chegou a propor-lhe casamento, tendo a oposição da família da jovem obrigado o poeta a viajar até Nova Iorque e aí permanecer, sem glória, durante três meses. Dessa experiência surgiram os textos de Pruebas de Nueva York e também, já em 1929, um livro de poemas intitulado Jacinta la Pelirroja. Esta Jacinta é a jovem Florence, tornada, desde então, tema central na poesia do poeta andaluz. Rafael de Cózar refere-se à obra em causa da seguinte maneira: «Há no livro um relativo distanciamento da personagem amada, um desejo de se distanciar de todo o sentimentalismo, algo que não apenas obedece ao pressuposto estético do momento (purismo literário) como também a um desejo de dissimular, de algum modo, talvez perante os seus amigos escritores, o reconhecimento do fracasso, uma relação que, com os seus momentos melhores e piores, de distanciamento e aproximação, irá perdurar durante quase toda a sua vida». Para mais, sugiro a leitura deste texto. Por ora, deixo dois poemas:

OBSERVAÇÕES COM JACINTA

Vê, cinematográfica Jacinta,
vê bem o que tem o elefante no lugar do nariz.
Vê do que precisamos para nos sentarmos,
vê a casa imensa que tem aquele a quem chamamos rei.
Vê isto de dormir, levantar-se, dormir e levantar-se;
vê o homem e a mulher que concordam jamais separarem-se;
vê a canalha, dona do nosso globo;
vê como a terna flor brota do solo duro;
vê que dos ramos das árvores
nascem comestíveis aromáticos.
Vê que do céu puro nos chegam
água, raio, luz, frio, calor, pedras, neve.
Mistério e absurdo em tudo, Jacinta.


JACINTA ACUSA-ME DE DESPERDÍCIO

Ao lado do avarento, sinto-me mãos-rotas, Jacinta.
Os pássaros foram criados para ver os elefantes,
e a nossa terra em vista do imenso vazio.
Abre, Jacinta, os olhos à criação
as mãos e todo o teu ser.
Que tombem e se percam os dólares.
Há um dólar de valor mais elevado,
o que não resvala da carteira;
o que se embala e surge novo todas as manhãs;
o que viaja sem a rosa dos ventos;
o que põe a sua vontade nas Índias ocultas;
o que condiz com o distante;
o que esclarece o confuso;
o que não mente;
o que não se dobra;
o que continua amarrado a uma correia de solidão.

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