sexta-feira, 26 de outubro de 2012

BOM ALUNO

Carlos Borrego (quem ainda se lembra dele?) saiu de um Governo depois de ter contado uma anedota; Manuel Pinho (quem o pode esquecer?) pôs-se a andar depois de ter simulado uns corninhos em plena AR; e Pedro Lynce (só eu para me lembrar deste) demitiu-se depois de ter sido acusado de criar um regime de excepção para favorecer a filha do ministro António Martins da Cruz (outra alma que andará perdida sabe-se lá onde). São apenas três exemplos de ministros que fizeram o que se esperava deles mediante situações de gravidade relativa. Miguel Relvas, tão preocupado em servir de exemplo à própria filha, vai colando o cu ao poder mesmo depois de se ter tornado evidente que lhe foi atribuído o grau de licenciatura por favor, em tempo recorde, com uma candidatura aceite fora do prazo legal e com equivalência a unidades que não existiam no ano em que frequentou o curso. São dados de uma auditoria à Lusófona que o Público hoje revelou. Este caso não é especialmente estranho num país de chicos-espertos, mas só mesmo um espécime dessa classe para não perceber a mensagem que está a passar ao país: não vale a pena estudar, o estatuto não se obtém pelo conhecimento, mas sim pelo grau de influência que se pode exercer. É uma mentalidade tipificadora do maior desprezo pelo que há de mais precioso numa sociedade democrática, o conhecimento, o saber; é uma mentalidade que coloca o exercício da política ao nível de um concurso como a Casa dos Segredos, onde os mecanismos de manipulação da opinião pública fazem o homem (um homem gasto na sua superficialidade, sem conteúdo, vazio, legitimado não pela moralidade das suas acções, mas pela destreza que aplica ao tornear a lei). Indivíduos como Relvas são o que não falta neste país. Que ele se mantenha no Governo por não perceber o mal que está a fazer ao seu país não admira (outra coisa não esperamos de indivíduos com tal carácter), mas não deixa de ser sintomático do fosso em que caímos ao constatarmos que ninguém por ele, naquele Governo, tem a consciência que ele jamais terá. Este caso aprofunda uma inevitável desconfiança sobre algumas das mais nobres instituições que dão forma a uma nação. A universidade (privada) em causa faz passar de si uma imagem absolutamente medíocre, de antro de negociatas e relações promíscuas com o poder; o Governo, na pessoa do Primeiro-ministro, mostra-se indiferente a esta pornografia de diplomas e graus académicos, como se fosse normal o que se passou ou como se não tivesse importância alguma. É um Governo, claro está, concentrado nos valores materiais, nas contas públicas e na dívida suprema. É um Governo que se está nas tintas para valores tão serôdios e obtusos tais como carácter, verdade, educação, conhecimento, honestidade. Só isso explica que Relvas possa continuar a fazer parte deste (des)governo. Isso ou as traficâncias denunciadas por Helena Roseta. Venha o Diabo e escolha.

1 comentário:

DL disse...

"É uma mentalidade tipificadora do maior desprezo pelo que há de mais precioso numa sociedade democrática, o conhecimento, o saber".

Era bom perceber até que ponto, hoje em dia, o conhecimento é valorizado. Acho que justamente como no caso de Relvas, há muitos indícios de que o saber deixou de ser valorizado socialmente, a não ser que possa ser "monetizado", ou seja, vendido. Como sociedade nem nos apercebemos disso, continuamos a caminhar no ar como o coiote e a pensar que a sociedade valoriza o saber, e quando damos por ela já é tarde. Há uma grande diferença entre valorizar o conhecimento e valorizar os frutos materiais do conhecimento.