Amigo Pedro, hoje dirijo-me a ti. O camarada Van Zeller
foi passar o ano nas Maldivas, está demasiado longe para que a minha voz lhe
chegue. Acabei agora mesmo de ler a tua mensagem de Natal no Facebook e só
posso dizer-te que me sinto profundamente desiludido. Afinal, Pedro, és tão
piegas quanto a maioria dos portugueses. A época natalícia desmascarou-te,
despiu-te da armadura de ferro, amoleceu-te. Falas-nos como se fosses um
convidado da Oprah ou um entrevistado do Alta Definição, esvaindo-se em
lágrimas de menino pendurado numa qualquer parede de um qualquer solar português.
Dizes, ó Pedro, que este Natal não foi o Natal que merecíamos. Reconhece-lo depois
de teres acabado com essa gordura social do décimo terceiro salário.
Convenceste-nos de que precisávamos de fazer dieta, e agora vens vender-nos a
banha da cobra em que terás banhado as azevias da Laura. Lamentas que muitas
famílias não tenham gozado na Consoada “os pratos que se habituaram”, como se
os pratos tivessem hábitos. E que muitos não conseguiram ter a família toda à
mesma mesa, como se isso fosse um problema para quem já nem mesa tem. Quanto
mais família! Deves pensar que andamos todos a cultivar afectos, estimulados
quiçá pela literatura da E. L. James. Mas tu não vês, ó Pedro, que os velhos
foram abandonados, as criancinhas deglutidas e os gérmenes secados que nem
figos? Não andas a escutar com atenção o Presidente da República. Se escutasses,
também tu questionar-te-ias sobre o que mais é preciso fazer para que nasçam
crianças em Portugal. E também tu ficarias fascinado com a mungidura das vacas e
os méritos do bolo-rei em bocas amordaçadas. Os portugueses que não puderam dar
aos filhos um simples presente deviam dar os filhos a este Pedro. Ele que os
crie com pratos de Sacavém. Ó Pedro, tu não és assim. Tu és outra coisa
qualquer, tu és um Trinitá da política portuguesa. Resta-me a esperança de que esta
tua metamorfose não seja, em boa verdade, tão piegas quanto aparenta. Talvez
sejas um menino da lágrima a verter crocodilos pelos olhos. Afirmas, numa
sintaxe elíptica de fazer inveja aos maiores poetas da língua portuguesa, que
“já aqui estivemos antes”. Interrogo-me sobre onde será o aqui em que
estivemos, tu e eu, Pedro, os dois, antes. A comida que então esticava para
todos lembrou-me a sardinha para três de que tantas vezes me falou meu pai, mas
nesse tempo não havia presentes maiores nem menores, as pessoas não lavavam os
dentes e poupavam no banho. Não havia presentes, nem solas nos sapatos. Ponto
final parágrafo. Este ano que para muitos foi um ano cheio de sacrifícios,
Pedro, não foi “apenas” mais um ano. Foi o ano em que vimos a excelência
administrativa de um Oliveira e Costa a ser premiada com mesas exíguas na
Consoada das famílias portuguesas. Pergunta ao José Oliveira e Costa de que
tamanho era a mesa dele, e que prendas deu à filha Iolanda, e pergunta ao
Caprichoso que pratos lhe levaram à mesa, e ao Monteverde se dividiu as
sardinhas, e ao Duarte Lima se comeu bacalhau ou se partilhou com o filho uma
lata de atum, pergunta ao Arlindo Carvalho e ao Almerindo Duarte e ao Dias
Loureiro, e ao Aprígio e ao Joaquim Coimbra e ao Fernando Fantasia e ao Catum,
que conhecerás bem melhor do que qualquer um de nós, pergunta-lhes, Pedro, os
sacrifícios que têm feito. Pergunto-te eu, Pedro, se é neles que pensas quando
pensas nos que estão a sofrer. Se não é, devia ser. Devias pensar mais neles e
noutros como eles, como esses a quem vais dando abrigo nas tuas lágrimas de
Pedro. Pergunta ao Relvas se dividiu o bacalhau com os angolanos. Ou então
aprende com o César das Neves e deixa de ser piegas, varre essas mensagens de
facebook para debaixo do tapete como fizeste com todas as promessas que te
trouxeram ao poder. Emigra, ó Pedro, faz desta crise uma oportunidade, desperta
o que de melhor há em ti, mata-te, emigra, enclausura-te num mosteiro, faz
qualquer coisa de útil para todos nós. Leva a Laura a passear à Sibéria e não
regresses. Porque não é com orgulho que fazemos sacrifícios, estimado Pedro,
muito menos supondo que esses sacrifícios trarão aos nossos filhos um futuro
melhor. Mas qual futuro, ó Pedro? Tu, que ainda vês futuro onde já só se avista
desesperança, explica-nos como alegrar os dias num país onde a morte ultrapassa
a vida. Tu não percebes, Pedro, que estás a falar para 900 mil desempregados e
outros tantos perto de o serem? Ou julgarás que só a Jonet e o César das Neves
fazem um país inteiro? Pedro, ao pé de ti o embuste Artur da Silva é uma
anedota para entreter meninos, uma piada de mau gosto, um número de stand-up
comedy. Tu sim, Pedro, tu és o grande embuste que nos saiu na rifa, tu mais as
tuas garantias e a alegria misericordiosa das Jonet e dos César das Neves, o
vaselina Ulrich e o Relvas da consciência tranquila. Tenho a certeza de que
caberão todos a uma mesma mesa, a mesa dos caras-de-pau. À bondade,
caridade e solidariedade da tua estirpe, eu continuo a preferir sentar-me à
mesa da liberdade, da igualdade e da fraternidade… Pedro.
7 comentários:
Na "mouche"! "De fio a pavio" não deixou nada de fora!
É triste, mas é tudo a verdade nua e crua. Vivemos num país onde a palavra esperança desapareceu...
Verdade, verdadinha tudo o que escreveu. Vamos lá ver no que é que isto vai dar...
Gostei de conhecer o seu blog.
Um abraço de solidariedade,
DAD
COMPLETAMENTE DE ACORDO COM TUDO O QUE FOI ESCRITO.
PASSAREI POR AQUI MAIS VEZES.
Bonito. Gostei do que li. Mas isto ter-se-á passado nalgum país ? E o povo desse país o que é que fez ? Decerto houve uma revolta popular, não pode ter sido outro o resultado. Ou talvez não e continue a aguardar por mais situaçoes iguais. Aliás o povo deste país deve ser o melhor povo do mundo.
Assimé, mas Pedro Coelho não nos saiu na rifa; votaram nele. Espero que sirva de reflexão no futuro.
Em que revista saiu isto?
Enviar um comentário