Por falar em John Russell. Lembrar-se-ão dele em Rio
Bravo, mítico western de Howard Hawks (1896-1977) com o incontornável John
Wayne, Dean Martin e o malogrado cantor Ricky Nelson (faleceu num acidente de
avião quanto tinha apenas 45 anos). John Russell aparece neste filme no papel
do todo-poderoso Nathan Burdette, que paga a uma série de mercenários para
capturarem o seu irmão Joe da prisão guardada pelo sheriff John T. Chance
(Wayne) e o seu velho ajudante de nome Stumpy (Walter Brennan, excelente). A
Chance e Stumpy juntar-se-ão o jovem Colorado (Ricky Nelson) e Dude (Dean
Martin), um ex-camarada de Chance corrompido pelo álcool após desgosto amoroso.
Vejamos os quatro numa das cenas inesquecíveis do filme, um momento de pausa
onde quatro homens confraternizam ao som das canções do oeste:
Conta-se que Johnny Cash escreveu Restless Kid para que Ricky
Nelson a interpretasse nesta cena, embora o tema nunca apareça durante o filme.
Aparecem antes Cindy e My Rifle, My Pony and Me, de Dimitri Tiomkin (director
musical do filme de Hawks). A cena é especialmente importante por marcar a
passagem do tempo e a importância das canções na vida destes homens, gerando um
ambiente de amizade entre quatro indivíduos aparentemente descontraídos. Na
realidade, estão sob a ameaça dos contratados de Burdette, contra quem terão de
se confrontar dentro de momentos. Ainda assim, os duelos mais importantes neste
filme de Howard Hawks, um realizador onde o realismo disfarça sempre inúmeras
subtilezas, são de outra ordem. Mais do que o conflito inicial entre a ordem,
representada pelo sheriff John T. Chance, e a desordem estabelecida pela família
Burdette mais seus lacaios, o que vai marcar a narrativa é uma relação amorosa.
Podemos afirmar, sem ferir susceptibilidades, que Rio
Bravo é uma história de amor onde os jogos de sedução pautam cada uma das
cenas. Temos Dude, outrora seguro, firme e rápido com a pistola, agora caído nas
malhas do álcool. O corpo treme-lhe, a ressaca desassossega-o. Somente velhas
canções têm o condão de o serenar. Arrasta-se pelos saloons deixando-se
humilhar por aqueles que atiram moedas para as escarradeiras, no gozo de verem
Dude, el borrachón, recolher as moedas para poder pagar “o comprimido”. O contraste
é extraordinário, depois de Chance o recuperar levando-o a barbear-se e a mudar
os farrapos que traz vestidos pela roupa que lhe guardava afectuosamente. O que
levou Dude àquele estado de degradação? Um desgosto amoroso. Em tempos apaixonara-se,
partira de Rio Bravo com o seu amor e aí regressou transportando as feridas
abertas de um amor desfeito.
A figura feminina deste novo drama é a jovem Feathers
(Angie Dickinson), supostamente procurada pela justiça sob acusação de conluio
em burla no jogo de cartas. A relação que mantém com o sheriff John T. Chance
é, desde a sua chegada, de provocação. Como a carruagem em que chega está de
partida, a provocação supõe-se breve. Mas a carruagem parte e ela mantém-se,
instaurando um impasse na relação com o sheriff onde a provocação dá lugar à
sedução e da sedução nasce a paixão. John T. Chance não resistirá aos
argumentos de Feathers, embora tente distanciar-se e manter-se impassível.
Sucede que o seu comportamento oscila entre o estouvado e a pura fascinação,
perdendo o sheriff junto da figura feminina a constância que não perde rodeado
de desordeiros.
É conhecida, e amplamente discutida a misoginia de Howard
Hawks, que neste Rio Bravo não atribui à mulher um papel diferente do quadro
mais tradicionalista. Figuras frágeis, personalidades insidiosas, manipuladoras
e sedutoras, as mulheres de Hawks tanto são capazes de levar um homem à ruína
como simplesmente de o desconcertarem com a sua irresistível tentação. Não
obstante, o que torna Rio Bravo sui generis é o turbilhão que apanha John T.
Chance no caminho. De um lado o amigo alcoólico, de outro lado os bandidos e de
outro lado ainda uma tentadora mulher. Rio Bravo é o cenário perfeito para a
elevação de um homem que consegue manter-se firme no centro da
tempestade, resolvendo os problemas com a simplicidade e a argúcia dos mais
nobres.
1 comentário:
Este é dos grandes, grandes.
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