Em 1969, John Wayne tinha 62 anos e contava com centenas
de participações em filmes de sucesso e de interesse desigual. A sua reputação
como actor estava estabelecida, confundindo-se em grande parte com a figura de
herói do Oeste consolidada por inúmeros papéis em westerns de relevo.
Realizadores como John Ford ou Howard Hawks foram alguns dos melhores
com quem trabalhou. Não tão reconhecido como estes, Henry Hathaway (1898-1985) também
deu cartas no género. True Grit, adaptação do romance de Charles Portis, foi o
derradeiro dos seus westerns e um dos últimos filmes que realizou. A escolha
não podia ter sido melhor, valendo a John Wayne um Oscar pelo desempenho como melhor
actor principal.
Exibido por cá com o título A Velha Raposa, True Grit mistura
numa só história vários elementos típicos do western: a caça ao homem, o
contraste entre o território selvagem onde decorre a maior parte da acção e as
cenas iniciais em Fort Smith, as relações de confiança/desconfiança entre as
várias personagens, a problematização de uma justiça demasiado personalizada. Podemos
mesmo dividir o filme em duas partes. Uma primeira concentrada na cidade, com
as suas instituições e formalidades. A outra, no território selvagem para onde
a jovem Mattie Ross, o Marshall Rooster Cogburn e o ranger do Texas La Boeuf se
deslocam no encalço de um assassino em fuga.
Esta deslocação permite-nos acompanhar duas realidades
distintas, a da cidade com as suas formalidades e a de um mundo onde a coragem
se sobrepõe às formalidades na consecução da justiça. Contraste tanto mais
importante quanto se revela claro o retrato de Fort Smith traçado nas cenas
iniciais, com um triplo enforcamento público e o juiz a assistir à execução na
varanda do tribunal. Na pensão onde Mattie e La Boeuf estão instalados, este
tem de tirar as esporas, quando se senta à mesa, para não riscar as cadeiras. Mas
a Mattie Ross (Kim Darby) não convêm tais formalidades. Para vingar a morte do
pai e capturar o seu assassino, Mattie contrata o mais duro e rijo dos oficiais
de justiça.
É o velho e sórdido Marshall Rooster Cogburn (John Wayne),
alcoólico, zarolho e nada formal, quem ela contrata. A ambos junta-se La Boeuf
(o cantor Glen Campbell), que também anda no encalço do mesmo fugitivo por
razões diversas mas com o mesmo propósito. Tom Chaney, o assassino em fuga, abrigou-se
no bando de Ned Pepper (Robert Duvall) em território índio. É por lá que se
desenrolará grande parte da acção, quiçá a mais relevante. O contraste entre
Fort Smith, com os seus tribunais, advogados, com as suas prisões e enforcamentos
públicos, com as suas negociatas e o seu convencionalismo social emergente, e o
comportamento destas personagens em território selvagem é deveras elucidativo de
um distanciamento (ou de uma aproximação) dos valores essenciais que constroem os grandes seres humanos.
Daí que o elemento essencial neste filme acabe por se
revelar apenas no final, quando vimos desabrochar na personalidade pedregosa de
Rooster Cogburn um comovente paternalismo para com Mattie Ross. Dentro do velho
Cogburn ainda florescem sentimentos e emoções. Torna-se fácil de entender o
quão emblemático é este papel na carreira de um actor como John Wayne, desmascarado
aos 62 anos pela interpretação de um velho Marshal de reputação duvidosa. O
lado sentimental e afectuoso da personagem confere-lhe uma dimensão humana que
já não é apenas a do herói implacável e algo sobre-humano, é a de um indivíduo
com as suas fragilidades ocultadas pelo manto da coragem e da determinação.
1 comentário:
Já vi ambas as versões. Adorei a interpretação da miúda na mais recente.
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