Ainda que se movimente sobre quatro patas, tenha unhas
afiadas e dentes de sabre, ainda que nascido por adopção numa Bengala
imaginária, sobre a qual se arqueia um arco-íris com a largueza de todas as
cores do mundo, ainda que feroz não ruja tanto quanto rosna o seu querer e lhe cresça
um pêlo muito belo, cobiçado pelos criminosos que só vêem tapetes onde nós vislumbramos
mistérios divinos, sempre que o coração se metamorfoseia em felinas aventuras, Pi
não é um tigre e o tigre jamais foi Pi. Roger Parker vive dentro de Pi como
este se reflecte nos olhos daquele, mas entre ambos há uma fé que os separa e,
por isso, seguem caminhos diferentes quando, a salvo das tempestades, podem
voltar as costas um ao outro sem terem sequer tempo para um adeus. Nesse sentido,
o tigre é mais inteligente que o homem. O homem escolhe a sua história
preferida, perde-se num labirinto infindo de deuses e credos, pode encontrar
explicações, inventá-las, supô-las, mesmo que reconhecendo-lhes a fragilidade
das histórias. O homem pode ficar a sofrer. Já o tigre, o tigre pode apenas ser
ele próprio, aprendendo, quem sabe, a responder aos truques do homem com a desconfiança
da plateia que assiste à actuação de um mágico. Juntos, entram-nos pelos olhos
adentro como um milagre que torna os dias menos sombrios e as noites mais
claras.
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