quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

A VIDA DE PI

 
Ainda que se movimente sobre quatro patas, tenha unhas afiadas e dentes de sabre, ainda que nascido por adopção numa Bengala imaginária, sobre a qual se arqueia um arco-íris com a largueza de todas as cores do mundo, ainda que feroz não ruja tanto quanto rosna o seu querer e lhe cresça um pêlo muito belo, cobiçado pelos criminosos que só vêem tapetes onde nós vislumbramos mistérios divinos, sempre que o coração se metamorfoseia em felinas aventuras, Pi não é um tigre e o tigre jamais foi Pi. Roger Parker vive dentro de Pi como este se reflecte nos olhos daquele, mas entre ambos há uma fé que os separa e, por isso, seguem caminhos diferentes quando, a salvo das tempestades, podem voltar as costas um ao outro sem terem sequer tempo para um adeus. Nesse sentido, o tigre é mais inteligente que o homem. O homem escolhe a sua história preferida, perde-se num labirinto infindo de deuses e credos, pode encontrar explicações, inventá-las, supô-las, mesmo que reconhecendo-lhes a fragilidade das histórias. O homem pode ficar a sofrer. Já o tigre, o tigre pode apenas ser ele próprio, aprendendo, quem sabe, a responder aos truques do homem com a desconfiança da plateia que assiste à actuação de um mágico. Juntos, entram-nos pelos olhos adentro como um milagre que torna os dias menos sombrios e as noites mais claras.


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