A sequência do enforcamento público que acompanha a
chegada de Mattie Ross a Fort Smith, Arkansas, remeteu-me para um western do praticamente
desconhecido Ted Post (1918). Hang ‘em High foi o seu terceiro filme para
cinema e conta com Clint Eastwood no papel principal. Eastwood é um ex-agente
da lei, convertido em cowboy, apanhado por engano no centro de um linchamento,
depois do homem a quem tinha comprado uma manada de vacas ter sido assassinado
com toda a sua família. Já pendurado pelo pescoço, Eastwood, isto é, Jed
Cooper, é salvo da morte por um Marshal de passagem naquela zona. O Marshal
chama-se Dave Bliss (Ben Johnson) e trabalha para o juiz Fenton (Pat Hingle) num
suposto Fort Grant, na região do Oklahoma.
Na realidade, trata-se exactamente de Fort Smith e o juiz
Fenton é, nada mais, nada menos, do que o impiedoso Isaac Charles
Parker, que ficou conhecido para a história dos EUA como o juiz dos
enforcamentos. Esta realidade histórica, que em True Grit aparece referida
lateralmente, é o pano de fundo do filme de Ted Post. Mas Hang ‘em High tem um
outro elo, simplesmente caricato, com o True Grit de Henry Hathaway. Em ambos
Dennis Hopper surge para ser assassinado na única cena em que aparece. Um outro
actor que reencontramos em Hang ‘em High é Ben Johnson, o Chris Calloway de
Shane. Pormenores do elenco que, sem serem fundamentais, estabelecem algumas
ligações curiosas na história do western.
O que é essencial, neste caso, é a recriação do ambiente
justicialista que encontramos em múltiplos destes filmes. Lembram-se do
linchamento popular de Johnny Guitar? Realista ou caricatural, este ambiente
ajudou a estereotipar uma imagem do antigo Oeste que está longe de ser
pacífica. Inegável parece ser a evolução de uma humanidade que, afinal, já
passou e, de certo modo, continua a passar por coliseus romanos, torturas
públicas, lapidações, vias-sacras, fogueiras medievais, caças às bruxas e ao
homem, fábricas de morte como campos de concentração e “gulags”. A história da
justiça, ao contrário desta, não é cega; esquece-se, por vezes, de que entre o
crime, a condenação e a pena há a vontade popular.
Ora, este filme de Ted Post questiona, precisamente, uma
justiça desenhada à imagem e semelhança da vontade popular. Opondo-se a esta
vontade (a missão do Marshal Jed Cooper será levar à justiça os homens que o
lincharam), contrariando esse conceito de “justiça pelas próprias mãos”, acaba
por a ela sucumbir sempre que se transforma em espectáculo. A caracterização de
Fort Smith, convertido em Fort Grant, é inclemente, tendo Post
carregado nas cores que nem Hathaway, nem mesmo os irmãos Coen, quiseram repetir.
O aspecto moralmente sórdido da execução pública é transformado num espectáculo
deplorável, com o povo a consumir cerveja gelada e doces enquanto
aguarda o enforcamento. Algumas mensagens finais dos condenados são abafadas
pela multidão expectante, mas animada. E um deles, já com a corda ao pescoço, afirma reconhecer
na plateia gente bem pior do que ele. Não duvidamos.
O que o Marshal Jed Cooper vem a descobrir, ele que foi
vítima da pior das injustiças, é o que o juiz Fenton pretende disfarçar. Não há
justiça onde apenas reside um mórbido desejo de vingança. A inclemência do
juiz, assistindo às execuções de um lugar privilegiado, surge-nos assim tão ou
mais criminosa do que os crimes cometidos por alguns daqueles condenados, como
os dois jovens que Jed Cooper tenta absolver depondo em seu favor. É
o próprio Jed Cooper quem perdoa um dos seus executores, reconhecendo nele uma
inocência que a lei cega do juiz Fenton não quer ver. E quando toma
conhecimento dos fantasmas que perseguem Rachel (Inger Stevens), a misteriosa
mulher que espreita cada um dos prisioneiros chegados à cidade, ele questiona-se:
e se nunca chegarmos a encontrar os nossos fantasmas?
Panfleto contra a pena de
morte ou não, este filme tem o mérito de nos fazer pensar alguns dos mais
repetidos lugares-comuns sobre o desinteresse da lei e a “cegueira” da justiça.
Impressionante que se mantenha tão actual.
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